Suspensão de descrença nos Contos de Fadas

Maria José Rocha Lima


Ricardo é um jovem acadêmico de Literatura, prestes a ingressar no mestrado, que, com apenas 22 anos, vem desenvolvendo pesquisa em Literatura na Universidade Federal da Bahia, sob a coordenação da premiada professora Sílvia Anastácio, Pós-Doutora em Literatura Comparada e em Mídias Digitais, escritora, tradutora e produtora de audiolivros.  

A expressão suspensão de descrença era tudo o que eu precisava para discutir os equívocos nas interpretações, nada poéticas, nem literárias, que alguns grupos de estudiosos contemporâneos fazem sobre os Contos de Fadas.  
A suspensão de descrença é tradicionalmente aplicada na literatura, no teatro, no cinema e nos videogames. Muito aplicada pelo estudioso sobre mitos Joseph Campbell, autor da obra clássica O Poder do Mito, inspirador de personagens do Filme Guerra nas Estrelas, a suspensão de descrédito, da incredulidade ou suspensão voluntária da descrença refere-se à vontade de um leitor ou espectador de aceitar como verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção, mesmo que elas sejam fantásticas, impossíveis ou contraditórias. É a suspensão do julgamento em troca das premissas de entretenimento, fantasia, vivência de turbilhões de emoções e sofrimentos, que acometem a todos na jornada da vida.  


Os estudos de Campbell e as elaborações filosóficas de Lúcia Helena Galvão (2019)[2], a partir destes, fala de certos elementos comuns nos Mitos e Contos de Fadas:

1)Era uma vez é um tempo que não tem tempo (um tempo sem tempo, um paralelo do tempo, um tempo eterno);

2)Paradoxos lógicos (o conto de fada exige imaginação, mentalidade intuitiva e simbólica, como dizia Jung, sendo impossível a aplicação de uma razão mecânica, porque desse modo será impossível, só veremos absurdos); 

3)Introdução de Antagonismos (elementos mórbidos não cabem nos contos de fadas, porque, nestes, os argumentos são sempre benéficos, o objetivo é retirar o antagonista do caminho, com menores danos possíveis, não há objetivo de matar, no conto clássico não há ódio, desejo de depreciar, como na Mitologia Grega, por exemplo, o feminino e o masculino apresentam peculiaridades que são complementares, as peculiaridades não inferiorizam, mas se complementam; as diferenças não servem ao confronto, ao egoísmo, à objetificação, mas servem à harmonização;

4)O Objetivo é Libertar Alguém, é sempre benéfico);

5)Armas mágicas (o conto começa apresentando príncipes jovens, fracos, bérberes, que  terão que enfrentar dragões e mobilizar os potenciais latentes no ser humano. À medida que ele se empenha pelo belo, bom e justo,  desenvolve as perícias humanas, quando se compromete com um bem maior);

6) O Egoísmo tem que ser banido (os contos de fadas são estórias de pessoas que realizam causas altruístas, são sagas heroicas, nestes não cabem causas pessoais).  


Finalmente, sobre a suspensão de descrença, ilustra Joseph Campbell(1990, p.40): “Uma coisa que se revela nos mitos é que, no fundo do abismo, desponta uma voz de salvação. No momento mais sombrio surge a luz”. 

*Maria José Rocha Lima (Zezé) é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Psicanalista e dirigente da ABEPP. Membro da Organização Soroptimistas Internacional Brasília Sudoeste

**Lúcia Helena Galvão, em Palestra na Nova Ácropole, 2019. Consulta realizada em 08/06/2021.  

***Publicado originalmente no site: Planalto em Pauta