(Evgeny Buzhinsky, ex-integrante do Estado Maior russo, diz a disputa entre a Rússia e o ocidente pode acabar em guerra aberta)
A tensão diplomática entre a Rússia e parte do Ocidente desencadeada pelo envenenamento de um ex-oficial dos serviços de inteligência russo na Grã-Bretanha ainda não tem um desfecho previsível.
O governo britânico acusou o governo russo de estar por trás do ataque a Sergei Skripal e sua filha, Yulia, em 4 de março, e anunciou a expulsão de 23 diplomatas do país. Desde então, outros 20 governos também expulsaram diplomatas russos. A Rússia respondeu expulsando mais de 100 diplomatas do Reino Unido, EUA e outros países.
Skripal, que era agente duplo e fornecia informações ao serviço secreto britânico, teria sido atacado com um gás neurotóxico em Salisbury, na Inglaterra. Ele e sua filha estão sob tratamento em um hospital – ele em estado crítico, ela, em estado de recuperação.
O apoio do presidente Vladimir Putin ao presidente sírio Bashar al-Assad e o suposto envolvimento do governo russo na disseminação de notícias falsas pata tentar influenciar as eleições americanas são outros fatores que complicam as relações com o Ocidente.
Pessoas próximas ao Kremlin acreditam que existe a possibilidade de um conflito maior – incluindo uma guerra. Essa é a opinião do tenente-general Evgeny Buzhinsky, que foi um dos principais negociadores militares da Rússia até 2009 e hoje dirige o centro de estudos PRI em Moscou.
- O envenenamento de um ex-espião que elevou as tensões entre Rússia e Reino Unido
- Ex-espião russo envenenado com a filha já tinha perdido a esposa e o filho
- O que acontece quando diplomatas são expulsos de um país?
Na terça-feira, quase um mês depois do ataque, Buzhinsky deu uma entrevista ao programa Today, da rádio BBC 4.
O programa também entrevistou Tony Brenton, que foi embaixador britânico na Rússia entre 2004 e 2008. Ele afirmou que a opinião de Buzhinsky é uma “visão relativamente dominante (na Rússia), muito espalhada tanto na elite quanto no povo.”
“Nós dizemos para nós mesmos, no oeste, que Putin é um autocrata, que quando ele sair a situação vai melhorar. Mas a verdade é que não temos um problema com Putin, temos um problema com a Rússia”, disse Brenton.
No programa, Buzhinsky, começou explicando que Putin apoia Assad porque este “é um presidente legítimo e não queremos que a Síria vire uma bagunça, como aconteceu com a Líbia”.
“Ele (Assad) pode sair, mas como resultado de eleições gerais, não forçado por terroristas e seus aliados.”
Abaixo, o diálogo que se seguiu com o apresentador do Today, Nick Robinson:
Então o objetivo da Rússia tem sido impedir uma mudança na Síria, e que os grupos que você chama de terroristas, mas que outros chamam de grupos rebeldes, obtenham algum tipo de poder?
O principal objetivo agora é acabar com a guerra civil.
Estamos muito, muito longe disso. A guerra já dura oito anos e mesmo se Assad vencer seus opositores, todos os ingredientes para um conflito prolongado estão aí, não?
Sim, com certeza. Porque os objetivos da Rússia, da Turquia, do Irã e os da oposição, liderada pelos Estados Unidos, são diferentes. Todos querem a mudança do regime. A Rússia não quer isso.
É interessante você levantar a questão de que existe uma visão do Ocidente e uma visão diferente da Rússia. Isso é verdade para quase todos as questões nas quais a Rússia está atualmente envolvida. Qual sua avaliação da situação internacional Rússia, considerando que não só o Reino Unido, mas países da União Europeia e do mundo todo expulsaram diplomatas russos e simplesmente não acreditam no que o Kremlin diz sobre o envenenamento (do ex-espião) em Salisbury?
Não tem sentido (essa descrença). Foi com certeza um crime. Começando a investigação de qualquer crime, qual a primeira pergunta que o investigador faz? Quem se beneficia. Nesse crime, o presidente Putin é a última pessoa que se beneficia, porque o crime foi nas vésperas da eleição presidencial (na Rússia), nas vésperas da Copa Mundial de Futebol, é inacreditável que a Rússia…
A Rússia que, a propósito, apresentou 13 perguntas para a Organização para a Proibição de Armas Químicas, porque o gás que acusam a Rússia de ter usado é tão venenoso que é impossível que as pessoas… A não ser que o antídoto seja administrado minutos depois. Se o antídoto foi usado, como (os britânicos) sabiam que tipo de gás foi usado? Há muitas questões.
Há muitas perguntas, muitas teorias da conspiração que vem de Moscou também. O que não existem são respostas, respostas (que digam) o porquê de tantos países no mundo todo, não só os inimigos tradicionais da Rússia, acreditarem que o Kremlin é responsável pelo ataque.
Por favor, quando você diz o mundo, você quer diz o Reino Unido, os Estados Unidos e alguns outros países.
Mas “alguns outros países” é algo crucial, não? Não é apenas o Reino Unido, não é apenas a União Europeia, não são apenas os Estados Unidos.
Quem mais responsabiliza a Rússia? Que grandes países? Índia, China, países asiáticos, Coreia, quem? Que países?
Então você acha que não importa?
Veja, é uma guerra fria. É pior do que a Guerra Fria porque se a situação continuar se desenvolvendo (da forma) como (está caminhando) hoje, vai ter um resultado muito, muito ruim.
Dê mais detalhes, o que você quer dizer com “resultado muito ruim”? Porque seria pior que a Guerra Fria?
Uma guerra real. Pior que a Guerra Fria é uma guerra real. Será a última guerra na história da humanidade.
Você está dizendo que as repercussões do envenenamento podem levar a uma guerra real? Como?
Não só o envenenamento em Salisbury, mas tudo o que está acontecendo. A pressão dos Estados Unidos e do Reino Unido vai continuar. O que vão conseguir com isso? Vão conseguir uma mudança no regime (na Síria)? É inútil. Vocês não conhecem os russos.
Quanto maior a pressão externa, mas a sociedade se consolida em torno do presidente.
Eu pediria que você desse mais detalhes. Você é um ex-militar de alta patente, chefia um respeitado centro de estudos e acaba de dizer que o resultado poderia ser pior que a Guerra Fria e levar a uma guerra real. Como poderia ser o desenrolar disso? Como iríamos da situação atual para essa?
Bom, vamos começar a falar, vamos começar a discutir. Vocês não querem conversar. Vocês dizem “a Rússia deveria mudar o seu comportamento”. Não é esse tipo de conversa, não é esse tipo de compromisso que precisamos. Ok, então vocês expulsam diplomatas, nós expulsamos diplomatas, vocês expulsam mais diplomatas… Aonde isso vai levar? Qual o próximo passo? O fim das relações diplomáticas?
O que você acha que vai acontecer agora, depois disso?
Como eu disse, vai levar a lugar nenhum. Na verdade, vocês estão colocando a Rússia contra a parede. E encurralar a Rússia é algo muito perigoso.
Fonte: BBC/Internacional