Encontro discutiu o documento do Ensino Médio em Fortaleza e trouxe opiniões acaloradas sobre o tema e a reforma da etapa de ensino.
Por: Laís Semis
A carta em que César Callegari renuncia à presidência da Comissão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Conselho Nacional de Educação (CNE) ditou a terceira audiência pública da Base do Ensino Médio. A reunião, que aconteceu hoje (5 de julho), em Fortaleza (CE), foi polarizada entre seguir ou não com o documento. Diversos participantes reiteraram o pedido de Callegari de que a Base seja devolvida ao Ministério da Educação (MEC) e que a Lei do Novo Ensino Médio seja revogada.
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“Apresento o pedido de que a Base seja retirada de pauta do CNE para que o debate possa ser reiniciado. Não há contribuição a fazer sobre esse documento”, disse um dos manifestantes, da Associação Brasileira do Ensino de Biologia. “Há uma supervalorização de áreas [Matemática e Língua Portuguesa] em detrimento a outras. Isso trará graves problemas a escolas e professores”.
Há três críticas muito comuns ao documento. Alguns temem a redução de conteúdos a ministrar. Outros acham que as desigualdades podem aumentar – escolas mais bem estruturadas poderiam oferecer um ensino mais rico aos seus estudantes. Muitos criticam os itinerários formativos – praticamente ausentes do texto. Juntas, essas críticas formam um quadro só: poucas escolas teriam condições de oferecer um ensino adaptado aos desejos dos estudantes, como defende o documento.
Já para os defensores da reforma, é preciso diminuir o número de disciplinas obrigatórias e flexibilizar o Ensino Médio para que a etapa seja mais ajustável às necessidades dos estudantes. A opinião é de que os desafios da reforma vão obrigar Estados e municípios a colaborar, oferecendo itinerários distintos em territórios próximos, mesmo que eles estejam em cidades diferentes.
Em um ponto, porém, defensores e críticos se encontram: o documento precisa ser mais detalhado, especialmente nos itinerários.
Os estudantes
Nas audiências da BNCC ao longo de 2017, sobre Educação Infantil e Fundamental, praticamente não houve estudantes. No Ensino Médio, a situação é diferente – e isso ficou claro desde a primeira audiência. Há tanto estudantes de organizações estudantis quanto pessoas desvinculadas de entidades.
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“Isso é a restrição da Educação”, disse Pedro Lucas, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), em referência ao documento. “Nós ocupamos as escolas e hoje somos contra qualquer retrocesso que não atenda ao que a escola pública, professores e alunos precisam”, completou. As ocupações quais ele se refere são as manifestações secundaristas de 2015 e 2016, que começaram em São Paulo e se espalharam pelo Brasil.
Embora a maioria das manifestações estudantis se opusesse ao documento, também houve ponderações mais brandas. “Li a BNCC e discuti com meus colegas. Lendo, você fica com esperança de ver acontecer uma visão integral do estudante, com pensamento crítico e criativo. Eu vejo isso como muito positivo e com a possibilidade de melhorar as oportunidades de Educação”, disse Caio, aluno de Ensino Médio da Escola Técnica Estadual Cícero Dias (NAVE-Recife). “Digo como estudante que temos esperança, mas a BNCC é uma ação. Precisamos lutar por outros planos de ação”.
Também houve falas a favor da continuidade do processo Alguns grupos trouxeram, mais do que apoio à existência de uma Base e ao processo, contribuições para melhorar o documento. Os principais pedem detalhamento do texto, mais clareza sobre as habilidades e indicações sobre os itinerários formativos, que atualmente não são contemplados pela BNCC.
“A intenção de permitir escolhas com itinerários é positiva. Mas efetivar essas escolhas, no entanto, será muito desafiador para as redes”, pontuou Felipe Michel, da Fundação Lemann, mantenedora de NOVA ESCOLA. “Não há indicações sobre o conteúdo que cada itinerário poderia contemplar. É interessante a própria BNCC falar sobre isso ou de alguma forma construir referências para essa elaboração”.
Os pontos foram endossados pela secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. “Para que haja melhor formação é preciso discutir os itinerários formativos e esclarecer melhor no texto os estudos e práticas de disciplinas como Educação Física, Arte, Filosofia e Sociologia de forma a valorizar componentes e professores que atuam nessas áreas”, comentou.
Além disso, houve pedidos para que conteúdos de pensamento computacional e sobre cooperativas estivessem presentes no documento (que já haviam sido feitos na primeira audiência, em Florianópolis), além da disciplina de psicologia.
Com uma polarização sobre seguir ou não com o documento, sobrou pouco espaço para o que de fato é esperado nas audiências: contribuições que possam melhorar a qualidade do documento dentro das áreas de conhecimento, competências específicas e habilidades. Nada foi falado sobre problemas textuais específicos do texto de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Língua Portuguesa ou outra área curricular. Mesmo com citações à Educação Física, não houve apresentações de propostas que pudessem dar mais concretude ao texto.
O que dizem os conselheiros
Na dinâmica da audiência, os conselheiros também têm direito a se manifestar após o conjunto de falas dos participantes. Callegari reiterou as posições apresentadas em sua carta (veja mais aqui) e para isso saiu da mesa dedicada aos conselheiros para falar no púlpito em que havia um cartaz contra a Base colado. “Ofereci minha retirada da comissão para poder falar coisas que eu não poderia enquanto presidente. A proposta traz problemas de tal gravidade que não podem ser sanados no âmbito do CNE”, disse. O conselheiro pediu também para que as próprias audiências públicas sejam revistas. “Senão, a repetição desse protesto que estamos ouvindo hoje só será reiterado”.
Esta foi a primeira audiência que Callegari não liderou. Em Fortaleza, o encontro foi capitaneado pelo novo presidente da Comissão da BNCC no CNE, Eduardo Deschamps.
Outras três conselheiras se posicionaram explicitamente favoráveis à revisão da Base: Malvina Tuttman, Aurina de Oliveira Santana e Márcia Ângela. Durante as discussões da Educação Infantil e Ensino Fundamental, em 2017, as três pediram revisão do documento e se posicionaram contra o documento na votação de aprovação (leia mais sobre o acontecimento aqui).
Deschamps discordou em relação às audiências. Para ele, o espaço permite e permitiu, ao longo do ano passado, a possibilidade de diversas manifestações. Além disso, ele destacou outros canais em que o Conselho tem recebido contribuições e a disponibilidade do grupo em receber entidades com diferentes opiniões. “Poderíamos fazer esses espaços de várias formas, mas ouvir os milhares de profissionais da Educação e alunos não é simples, mesmo com o auxílio da tecnologia”, ponderou. “Estamos recebendo entidades e, recentemente, ouvimos a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)”. A CNTE é uma das entidades mais críticas em relação à BNCC.
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Chico Soares, Suely Menezes e Antônio Freitas, também conselheiros do CNE, falaram sobre o funcionamento do CNE, suas limitações em revogar a Lei do Novo Ensino Médio, os desafios do trabalho com a Base, as conquistas feitas apesar desses desafios e a necessidade de trabalhar em conjunto para chegar em uma proposta mais próxima do ideal. Suely enfatizou suas crenças no processo como democrático. “Em 50 anos de chão de escola, eu não tive chance de participar de mudanças. Todas foram goela abaixo. Essa, sim, vocês tiveram oportunidade de participar”, disse. “É hora de estudar, propor soluções. Chega de brigar. Vamos trabalhar juntos”, apelou a conselheira. Chico Soares, que trabalha como relator da Comissão da BNCC, retomou o resultado do documento da Educação Infantil e Fundamental. “Com todas as dificuldades, foram centenas de modificações entre o documento que nós recebemos e o que foi devolvido ao MEC. Nós demos um passo à frente”, comentou.
Próximos passos
Mesmo com os pedidos de que a pauta da Base seja retirada do CNE e “devolvida” ao MEC, não há mudanças previstas no cronograma de trabalho do Conselho. De acordo com Deschamps, se houver alguma alteração, ela será debatida nas próximas reuniões do colegiado. O calendário de audiências está mantido, e as próximas audiências acontecem em 10 e 29 de agosto, respectivamente, em Belém (PA) e Brasília (DF).
As inscrições para as audiências são feitas pelo site do CNE (clique aqui para acessar). No site, é possível também enviar contribuições online. Elas podem ser feitas através de formulários específicos para cada uma das partes do documento: introdução, área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias e sobre o componente Língua Portuguesa.
Publicado originalmente em Nova Escola