REFORMA ADMINISTRATIVA: O que se quer com a inclusão do princípio da subsidiariedade no rol dos princípios do Direito Administrativo?

Por Tainá Aragão dos Santos

“O sentido está sempre no viés. Ou seja, para se compreender um discurso é importante se perguntar: o que ele não está querendo dizer ao dizer isto? Ou: o que ele não está falando, quando está falando disso”? (Orlandi, 1987, p. 275)

Sabe-se que o nascedouro do princípio da subsidiariedade ocorreu em período onde se questionava a legitimidade do Estado, exigia-se atividade subsidiária. Desse modo, reconhecia um Estado fracassado, ineficaz e incapaz. Essa ideologia convergia com o olhar liberalista e neoliberalista.

Historicamente falando, o princípio da subsidiariedade, representou a não ingerência estatal face à ascensão do fascismo na Europa, fundada em interesses políticos e gestão direta do setor privado.

A possível inclusão do princípio da subsidiariedade no rol dos princípios do Direito Administrativo, nos causa certa preocupação, pois vislumbra-se uma limitação do Estado, leia-se “Um Estado não Intervencionista”. Ora, pensar em um Estado subsidiário é reconhecer que a participação ativa da sociedade civil, tanto para regulamentar, quanto para fiscalizar, será efetiva, mas a quem interessa mesmo tal mudança? Ou o que querem controlar mesmo? Percebam que estamos falando de mercado, economia. Mas, o que envolve a subsidiariedade? Deixem que respondo: Envolve competências, que poderão sair do Estado, e subsidiariamente ir para a sociedade civil, leia-se setor privado.

O risco está exatamente ai, pois o Estado deixa de ter primazia, passando o poder para a sociedade civil. E não se assustem, o Estado estará em pé de igualdade com o setor privado, deixará de ocupar o lugar de ente superior e em que resulta meu povo tudo isso? Prevalência da iniciativa privada e garantias para a propriedade, chegaremos a que? A inferiorização do Princípio da Dignidade Humana no Serviço Público, pois quando tratamos de propriedade, voltamos então à velha compreensão de que o “Ter é melhor do que o Ser”.

Não obstante, estaremos por ver, interesses de grupos econômicos e possíveis favoritismos [1]. E nos perguntamos? Mas já não vivemos isso? Sim, vivemos de forma muito acortinada, porém outra situação é as portas da legalidade se abrirem para possíveis limitações. Quem paga para ver?

Num olhar constitucional, e como fica a livre iniciativa para o Estado? [2], o poder privado responsável pelo desenvolvimento e produção das nossas riquezas. Inverte-se o papel? O Estado passa a dar suporte, auxílio ao setor privado, ou seja, a exceção. A pergunta que não quer calar, porque a Constituição de 1988 não recepcionou o princípio da subsidiariedade. O art.173 da nossa Carta Magna dispõe:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias .
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Extraí-se do texto constitucional limitação à atuação do Estado como formas de modalidades de intervenções. Assim, pensemos que não há incompatibilidade entre poder privado ou poder público quanto a economia, o que se sabe, é que a legitimidade constitucional do Estado e sua atuação vai além dos interesses políticos e de grupos econômicos.

Apesar de não concebermos tal interferência privada, no âmbito econômico público, sabemos que ainda assim trata-se de uma decisão política, por isso nossa discussão no presente texto. Inquietar-se com os possíveis efeitos dessa reforma administrativa, nos faz cumprir com o nosso papel de cidadão, independente de fazermos parte do efetivo estatal.

[1] Washington Peluso Albino de SOUZA, Teoria da Constituição Econômica, Belo Horizonte, Del Rey, 2002, pp. 50-53, 69-70 e 94-96.[7] Artigo 173, caput: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos

[2]Cláudio Pereira de SOUZA Neto & José Vicente Santos de MENDONÇA, “Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa” in Cláudio Pereira de SOUZA Neto & Daniel SARMENTO (coords.), A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, pp. 734-741.

Tainá Aragão dos Santos é especialista em Direito Público; Professora de Direito Administrativo.