Por que não levar a Constituição para a sala de aula?

Nascida na redemocratização do Brasil, em 1988, a Constituição brasileira completa 30 anos em 5 de outubro. Apelidada de “Constituição Cidadã”, foi a primeira na história de nosso país a colocar o cidadão e seus direitos em primeiro lugar. O Congresso Nacional preparou um dossiê para comemorar a data.

Apesar de ser a lei máxima no Brasil, o documento ainda é pouco estudado na escola. A Base propõe mudar esse cenário ainda durante o Fundamental 2. Antes de começar, porém, é preciso explicar a importância desse conhecimento para a vida dos alunos. “Use as práticas e palavras dos alunos”, explica Felipe Neves, advogado e fundador do Projeto Constituição na Escola. Um exemplo é aproveitar o Artigo 5º para trabalhar o direito à livre manifestação do pensamento e a questão do anonimato nas redes sociais.

Outras abordagens possíveis dizem respeito à organização do Estado e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – encontrado nos artigos 18 ao 43 e 44 ao 135, respectivamente. Aqui, é possível relacionar o contexto da elaboração do texto constitucional para que o aluno entenda como se criam as leis. “Faz parte de entender o conceito de cidadania ter consciência de todos esses processos burocráticos”, explica Oldimar Cardoso, pós-doutor em História pela USP. Para ajudar nesse trabalho, o Senado disponibiliza um glossário legislativo.

Em Língua Portuguesa, dá para explorar as estratégias discursivas empregadas no texto da Constituição. “Buscar que o aluno perceba o estilo impessoal do texto como uma manobra de linguagem que ele pode reproduzir em seus textos”, explica Rafael Palomino, professor e selecionador do Prêmio Educador Nota 10 (veja ao lado outras estratégias de abordagem). “Desde cedo, é preciso aprender que os direitos garantidos pela Constituição são necessários para que o cidadão tenha uma vida digna”, conclui a advogada Alessandra Gotti, consultora da Unesco.

Microedição:

Como se estrutura a Constituição?

O documento é organizado em 9 títulos, subdivididos em capítulos e depois em seções. Neste último encontramos os artigos (representados como Art.), que se desdobram em:

Parágrafos: Quando for um apenas um aparece como “parágrafo único”, quando for mais de um é sinalizado com §.
Incisos: Sinalizados com algarismos romanos
Alínea: São subdivisões dos incisos e são representados por letras minúsculas
Ítem: dentro das alíneas, os itens aparecem enumerados
Em Língua Portuguesa, entender a organização do texto legal possibilita discutir a hierarquização das informações e como acontece a construção de sentido a partir da maneira como são organizadas.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Neste momento caberia trabalhar o léxico e explorar o significado implícito em cada um dos fundamentos. Nas aulas de História, discuta o contexto da redemocratização pós Ditadura Militar (1964-1988).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[…]
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[…]
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Além de fundamental para a compreensão dos seus direitos, os alunos podem trabalhar em Língua Portuguesa os termos utilizados. Ele deve perceber a diferença entre afirmar que algo é livre, assegurado, inviolável ou vetado, por exemplo.
O inciso XLII, em especial, permite uma abordagem história da questão racial no país, além de uma comparação com a Constituição de 1824 (quando a escravidão era permitida pela lei). Esse exercício de comparação também pode ser feito com base nas alterações sofridas pelo documento de 1988 até agora – é possível visualizar essas mudanças com a versão on-line da Constituição.

Fonte: Felipe Neves, advogado e criador do Projeto Constituição na Escola; Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional; Oldimar Cardoso, pós-doutor em História pela USP e assessor pedagógico dos planos de aula da NOVA ESCOLA; e Rafael Palomino, professor do colégio Santa Cruz e selecionador do Prêmio Educador Nota 10 de 2018.

Adaptado de um texto publicado originalmente no site Nova Escola