Polarização política nas redes sociais – uma forma psicótica de pensar?

Maria José Rocha Lima

Um desses programas televisivos divulgou pesquisa, concluindo que os jovens estão famintos por discussão política, na qual os  jovens dizem política sim e não à intolerância. Ora, política é a arte de conviver com quem você não concorda,  com quem você não gosta e com quem você gostaria que não existisse”, como diz Luiz Felipe Pondé. Tenho acompanhado esses debates sobre os  jovens realizados por pesquisadores renomados, educadores experientes e até políticos, que se queixam da falta de jovens nos partidos, quase sempre militância voluntária, sem custo.  

Não encontrei estudos acadêmicos reconhecidos que tivessem chegado às mesmas conclusões da tal pesquisa. Não é isso o que vemos no Brasil. Não é isso que mostram pesquisas de grande fôlego, como a realizada por Jean Twenge, professora de Psicologia da Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos, que desde 1995 estudou 11 milhões de jovens americanos, uma pesquisa transgeográfica e transcultural. Segundo a pesquisadora, “os  Jljovens da Geração Smartphone são menos rebeldes, mais solitários e menos felizes. Eles são menos propensos a dirigir, trabalhar, fazer sexo, sair etc. São jovens que cresceram na era dos smartphones, estão menos preparados para a vida adulta, segundo a pesquisa americana.  O filósofo Luiz Felipe Pondé, ao falar da descrença na política e se valendo dos seus 25 anos de magistério e do seu conhecimento sobre pesquisas acerca da juventude mundial, observou que, nos últimos 25 anos, houve grande distanciamento dos jovens em relação às pessoas experientes e a ambientes culturais. As redes fazem muito barulho, mas empobrecem o debate, promovem uma pobreza semântica.  As discussões em sala de aula são cada vez mais pobres e difíceis.   

Os jovens não querem ler Otelo, de William Shakespeare, porque Otelo é machista; não querem ler Macbeth, porque aborda a ambição humana.  Há uma infantilização dessas novas gerações. Muitos jovens entram na universidade buscando um espaço de promoção da autoestima, espaço em que eles não tenham nenhuma dificuldade, nem situação de tensão.  Os jovens buscam um espaço no qual não sejam contrariados. Os jovens já ingressam na política engajados na política partidária, a partir de uma perspectiva militante, restrita em termos de semântica e de pautas.   Precisamos entender as estratégias que estão sendo usadas para instrumentalizar jovens para esses discursos de ódio e de intolerância.   E com que interesse se alimenta a psicopatologia da vida mental? Penso muitas vezes que a polarização política nas redes sociais pode ser interpretada à luz de Bion. Já em 1962, Wilfred Bion, psicanalista, médico e psiquiatra, que nasceu na Índia e radicou-se na Inglaterra, estudou a evolução de transtornos psiquiátricos que estão contidos no que ele prefere denominar como super superego e podem se apresentar como  uma forma psicótica de pensar. 

  Para o psicanalista brasileiro David Zimerman(2010, p.154), talvez o nome mais apropriado fosse o de (supra-ego). Esse “superego” faz parte do que Bion chama de “parte psicótica da personalidade, de modo que, indo além das proibições e das noções do certo e errado, do bem e do mal, aprovação ou condenação etc., que são inerentes ao conceito clássico de superego, essa concepção de Bion consiste em uma “forma psicótica de pensar”, a qual o sujeito se opõe a todo desenvolvimento em bases científicas e às leis inevitáveis da natureza humana, e, assim, ele se rege por uma moralidade – “sem moral” –, criada pelo próprio sujeito, que ele insiste em impor aos outros e, igualmente, quer reger o mundo com normas e valores próprios que são firmados a partir de uma afirmação de sua superioridade destrutiva”.  Para o psicanalista David Zimerman (2010,p.154) “o “super superego”, tal como foi concebido por Bion, mostra-se como um objeto superior, ofusca as funções do seu ego, afirma sua superioridade pela detração, difamação, depreciação, quando não pelo  aniquilamento dos outros, achando falhas em tudo que não coincidir com o que ele crê, opondo-se tenazmente a qualquer aprendizado com a experiência e devotando um ódio a toda verdade diferente da dele, impedindo, logo, qualquer tendência a uma evolução psíquica, como se essa representasse um inimigo que deve ser eliminado”.  Finalmente, Zimerman (2010, p.154) acaba por destacar a importante concepção de Bion acerca da parte psicótica da personalidade.

  Esta posição mental é caracterizada por um excesso de clivagens e identificações projetivas, resultantes de uma baixíssima tolerância às frustrações, com a predominância da onipotência e oniscência.  Maria José Rocha Lima mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 – 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise

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