Jô e Roberto, dois fenômenos que só Freud explica

Maria José Rocha Lima*
 
A psicanalista Lúcia Helena Alves, em aula online, na Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise, ao abordar As Fases do Desenvolvimento Psicossexuais, em Freud, reprisou um fragmento do programa do Jô Soares, no qual ele realizou uma entrevista especial com o cantor Roberto Carlos, que entre outras coisas comentou sobre o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).


Roberto afirmou que “quem tem TOC é um sofredor, mas eu já melhorei bastante”. Contou um episódio hilário que lhe ocorreu num período em que esteve em Los Angeles, frequentando missas aos domingos, na Igreja Bom Pastor:  “Certo dia, após a missa, eu permaneci em oração e, quando busquei a saída pela porta principal, pela qual havia entrado, o zelador já a havia fechado, inclusive com correntes”. Assustado, ele buscou o zelador para que abrisse a porta e foi informado, pelo homem, que a porta não poderia ser mais aberta, apontando para a saída por uma portinha lateral.  
Num inglês de porto, segundo o cantor, disse-lhe:  


 – Bicho, eu só posso sair pela porta por onde entrei. 
 O zelador tentou persuadi-lo: 
 – Mas o senhor tem que sair por aqui.

– Eu não posso – retrucou Roberto Carlos.  
 O zelador o indagou:  – Por que o senhor não pode sair por esta porta, que está aberta?  

Superstição – explicou Roberto.
– Então o zelador ameaçou chamar a Polícia.


Roberto saiu pela porta pela qual não entrara e no domingo seguinte entrou por uma porta e saiu pela outra 
O cantor disse que a cura é possível, mas depende de muito empenho da própria pessoa. Na entrevista, Jô Soares evitou contar o seu TOC, para não concorrer com a história de Roberto Carlos, mas o apresentador já admitiu sofrer de TOC.  


Em 2007, Jô Soares confessou,l que tem Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), durante uma entrevista com a cantora Maria Rita. Jô conta que “isso faz com que tenha verdadeira obsessão por deixar todos os quadros da sua casa levemente inclinados para a direita”. O apresentador disse ainda: “A posição incorreta do quadro pode até atrapalhar seu raciocínio”. Outra mania que o apresentador tinha e que conseguiu eliminar foi o de achar sempre que deixou o carro aberto e colocar desodorantes várias vezes, por achar que não havia passado. 


Para a psicanalista Lúcia Helena Alves, Freud explica, apresentando aos alunos  do Curso de Formação em Psicanálise a Teoria da Sexualidade Infantil, mostrando evidências e exemplos. 


 A professora só não contou que Freud tirou o sono da humanidade, como ele próprio  ironizou, segundo o seu biógrafo Peter Gay, tanto pela descoberta do inconsciente quanto por desenvolver A Teoria da Sexualidade Infantil. E ainda por afirmar que desse desenvolvimento na infância dependem a constituição do nosso psiquismo e os nossos traços de personalidade. 


Para Freud, o desenvolvimento da sexualidade infantil se dá a partir da organização libidinal em fases psicossexuais que são universais: a fase oral, a fase anal, a fase fálica, fase de latência e a fase genital.

  
Na fase oral, o desenvolvimento ocorre desde o nascimento aos 12 meses de vida. Nessa fase, a zona de erotização é a boca, as atividades prazerosas são em torno da alimentação (sucção). Uma fixação nessa fase provoca o desenvolvimento de um tipo de personalidade de caráter oral, da qual os traços fundamentais são o otimismo, a passividade e a dependência. Para Freud, os transtornos alimentares poderiam ocorrer por dificuldades na fase oral. A fixação do adulto nessa etapa infantil da oralidade é observável diante dos hábitos que se relacionam com a boca, tais como: fumar, falar demais, beber, comer em demasia etc. O fundador da Psicanálise também previu que a sublimação de algumas dessas atitudes pode concorrer para o sucesso na utilização da fala, da oratória e da musicalidade. 


Segundo Lúcia Helena, o super Jô Soares que o diga: humorista, apresentador de televisão, escritor, dramaturgo, diretor teatral, ator e músico brasileiro. Fala cinco idiomas: português, inglês, francês, italiano e espanhol, além de conhecimentos de alemão.  


A partir das preleções da colega, complementamos  com outras ilustrações para a fase anal, que ocorre durante o segundo e o terceiro ano de vida, onde o prazer está no ânus. Nessa fase a criança deseja controlar o esfincter e começa a entrar em conflito com a exigência social da aquisição dos hábitos higiênicos. Uma fixação nessa fase pode causar conflitos por toda a vida em torno de questões de controle, de guardar para si ou entregar. O caráter anal é caracterizado por três traços que são: ordem, parcimônia (econômico) e teimosia. Nessa fase, tem origem a ideia de poder, de controle, surgindo, por associação, no período adulto, desde que ele o tenha fixado na analidade: o apego.

Um exemplo fantástico é o do cantor Roberto Carlos, que falou da coleção de carros que possui: “Sou muito apegado ao que tenho. Como alguns carros antigos que adoro. Vou comprando e depois não tenho coragem de abandonar”. Com muita ordem, parcimônia (economia) e temosia, o compositor e cantor é o artista solo com mais álbuns vendidos na história da música popular brasileira, tendo vendido mais de 140 milhões de cópias, incluindo gravações em espanhol, inglês, italiano e francês, em diversos países. E os seus três filmes foram sucesso de bilheteria, somando, na época dos seus lançamentos, um público de mais de sete milhões de pessoas.  


 Claro que a psicanalista Lúcia Helena falou ainda da fase fálica, que ocorre dos três aos cinco anos. A área erógena fundamental do corpo é a zona genital. Nessa fase fálica também ocorre o Complexo de Édipo. Falou do declínio do complexo edípico, quando as pulsões sexuais parecem serenar e a criança se abre para a socialização, voltando-se às atividades escolares e esportivas, como se perdesse a erotização, substituindo-a pelo que Freud chama de ternura,  ingressando não em outra fase, mas no período de latência. E finalmente da fase genital, quando o sujeito busca objeto sexual fora de si, ou seja, almeja satisfazer suas pulsões sexuais com alguém do sexo oposto.  


Assim, a psicanalista Lúcia Helena oportunizou aos futuros psicanalistas uma viagem fantástica e ilustrada sobre a teoria freudiana, que deveria ser conhecida por pais, professores, cuidadores de crianças e sociedade em geral. Com os exemplos dos  dois gigantes das artes Jô Soares e Roberto Carlos, mostrou que se por um lado eles vivenciaram adoecimentos, por outro mostraram que é possível melhorar e sublimar o sofrimento, até mesmo tornando-se geniais. Para além de Freud, que dizia que se a psicanálise possibilitasse ao neurótico amar e trabalhar, já seria muito bom.     

Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É Psicanalista e dirigente da Associação Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Filiada ao Clube Soroptimista Internacional Sudoeste Brasília.

Publicado originalmente no site: https://planaltoempauta.com.br/86406-2/