Passado o carnaval, é hora de recolher o lixo deixado pelos foliões. O exemplo é local, mas o alerta é global e válido em qualquer tempo e lugar, principalmente onde os resíduos costumam se acumular despercebidos: no fundo do mar. Por isso, detritos encontrados em áreas profundas do litoral de Salvador e região metropolitana são preocupação e objeto de estudos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano).
O grupo de pesquisa Paranoá/IF Baiano/CNPq, em desenvolvimento desde 2012, realiza coletas e análises de amostras de lixo marinho para avaliar o impacto do fenômeno no ecossistema. O grupo – formado por pesquisadores, professores e estudantes do ensino médio, técnico, graduação e pós-graduação – também apoia ações de formação, discussão e difusão de conceitos e instrumentos para o gerenciamento costeiro e marinho. Estima-se que, por ano, entre 8 e 25 milhões de toneladas de resíduos sólidos entrem nos oceanos do planeta. No Brasil, o número se aproxima de 2 milhões de toneladas no mesmo período.
Fruto dessas ações é a parceria com o projeto Fundo da Folia, um grupo voluntário que atua há quase uma década realizando limpeza subaquática nas praias da capital baiana. A iniciativa nasceu em 2010, com a observação de que o lixo gerado no carnaval era recolhido das ruas e das praias do circuito da folia, mas não do fundo do mar. A partir de então, as ações se intensificaram e o grupo foi crescendo. Hoje, as limpezas são realizadas semanalmente, com a ajuda voluntária de surfistas, mergulhadores, pesquisadores, estudantes e interessados em contribuir com a causa.
Exposição – Com a participação nas ações de limpeza do projeto Fundo da Folia, pesquisadores do grupo Paranoá vêm coletando e analisando os diversos tipos de lixo e catalogando esses materiais para criação de uma coleção didática do lixo marinho. Parte da coleção está sendo exposta no Museu Náutico da Bahia, em uma parceria com o curso de oceanografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), desde o ano passado, onde permanece pelos próximos meses.
Hoje, o trabalho é um projeto de iniciação científica, desenvolvido no campus do IF Baiano em Catu. “A intenção é identificar cada polímero (lixo plástico) para uma coleção de referência que, daqui a cem anos, caso haja algum problema de contaminação, por exemplo, na Baía de Todos os Santos e alguém falar: ‘Ah, mas ninguém produz mais isso hoje.’, então, temos na coleção uma identificação científica de um produto que foi descartado na baía há cinquenta, cem anos atrás”, explica o orientador do projeto, professor e pesquisador do IF Baiano, José Rodrigues, que também coordena a implantação da Rede Brasileira de Coleções Didáticas e Científicas do Lixo Marinho (Re-COLIXO).
Os materiais coletados do fundo do mar evidenciam o impacto ambiental do excesso de lixo nos oceanos. “Não é um problema novo. A academia estuda isso há mais de 30 anos e só agora a sociedade está tomando ciência da catástrofe”, afirma o pesquisador José Rodrigues.
Impactos – Hoje, são frequentes no noticiário os mais diversos casos de animais marinhos vítimas de acidentes causados pelos resíduos perdidos nos oceanos. Este é apenas um dos impactos decorrentes do problema. O pesquisador aponta também o efeito na cadeia alimentar das espécies. “Temos estudos mostrando a presença de lixo no trato intestinal até dos zooplânctons, pequenos organismos que vivem dispersos na coluna d’água.”
Esses zooplânctons, junto com os fitoplânctons, são a base da cadeia trófica dos oceanos, explica Rodrigues. “Todos os outros animais estão acima deles e então, esses pequenos organismos vão ser comidos, com o plástico, pelo peixe um pouco maior”. Em seguida, a espécie pode servir de alimento aos predadores de topo, os grandes mamíferos, tubarões, aves, etc, e no meio do caminho, passa pelas espécies mais comerciais como, por exemplo, os atuns e salmões.
O próximo destino do plástico é de fácil dedução. Lembra daquele peixe assado que você comeu outro dia na praia? Nós, seres humanos, somos consumidores das espécies comerciais marinhas. “Nós estamos ingerindo plástico”, destaca Rodrigues. “O que não sabemos ainda é o que esse plástico vai fazer no nosso corpo. Estudos recentes já confirmaram a presença de plástico nas fezes humanas. Isso quer dizer que o plástico está chegando. Mas, chega só por causa do peixe? Não. Na água mineral da garrafinha plástica também vêm resíduos daquilo que, hoje, começamos a estudar – mas precisa-se de equipamentos mais sofisticados – que é o nanoplástico. O animal come o plástico porque ele confunde o saco (plástico) com seu alimento. O ser humano não confunde o saco com o alimento dele, mas o alimento do ser humano pode ser um peixe que confundiu”, complementa.
Parque – Outra ação em desenvolvimento é a participação na implantação do Parque Natural Municipal Marinho da Barra na capital baiana. O projeto, que está em tramitação no âmbito municipal, contou com a consultoria do pesquisador José Rodrigues. A intenção é implantar uma unidade de proteção integral que promova atividades de turismo sustentável e onde são vedadas práticas que gerem poluição ambiental ou retirada de recursos naturais.
Em audiência pública, realizada em novembro de 2018 e promovida pela Secretaria de Cidade Sustentável e Inovação (Secis), a criação do Parque Natural Municipal Marinho da Barra obteve o aval da sociedade. Pioneiro em Salvador, a unidade vai conservar, além do ecossistema marinho, o patrimônio cultural subaquático formado por três naufrágios entre o Farol da Barra e o Forte de Santa Maria: o Bretagne (1903), o Germânia (1876) e o Maraldi (1875) e promover lazer contemplativo e um espaço para realização de pesquisas científicas.
Publicado originalmente no Portal do Ministério da Educação