Maria José Rocha Lima*
No Brasil, lamentavelmente o descaso pela educação e pelos professores é histórico. Prioridade para a educação básica é discurso, especialmente em período eleitoral, pois faltam perspectivas sérias, adequadas e viáveis para elevar o professor e a educação na hierarquia dos problemas nacionais.
Nem acabamos de celebrar a meia vitória que representou o Novo FUNDEB e começam as ameaças de usurpação dos seus recursos para a rede privada, na lei que o regulamentará. Em educação, como um sintoma na psicanálise, eu tenho a dolorosa impressão de que estamos sempre a nos repetir.
Quando falo de meia vitória, quero me referir ao percentual de investimento ainda muito baixo por parte da União. A PEC/024 de 2017, apresentada pela senadora Lídice da Mata (PSB/BA), que teve como relatora a senadora Fátima Bezerra (PT/RN), propunha uma injeção de 40% de recursos por parte da União e alcançaremos apenas 23%, em 2026. Propusemos aumento da destinação dos recursos para pagamento de professores da ordem de 70%. Tudo a partir das análises técnicas do gabinete da senadora Lídice da Mata, a quem eu assessorava, e da consultoria do Senado Federal, especialmente do consultor Edmar Queiroz,
inspirando-nos nas teses defendidas por Anísio Teixeira, que desde a década de 1930 propunha que no país não existissem desigualdades entre as escolas. Também essa maior injeção de recursos era necessária dada a constatação de que 63% do municípios brasileiros não cumpriam integralmente a Lei 11.738/ 2008, que criou o Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN – dos professores da educação básica, quase dez anos após a sua sanção.
Recentemente, publiquei parte da minha tese de doutorado, na qual pesquisei a implantação do Piso Salarial dos Professores nos 417 municípios da Bahia, e 64,2% destes não cumprem integralmente a Lei 11.738/2008. Portanto, o aumento da destinação de recursos de 60% para 70% poderia representar um pequeno, mas incontestável avanço, nas políticas de valorização do magistério.
O não cumprimento integral do piso salarial do magistério não apenas representa desvalorização do magistério, mas significa o desmonte da política nacional de educação, conforme prevê o Plano Nacional de Educação – PNE. A valorização do magistério está inscrita nas diretrizes, além de constituir cinco das vinte metas do PNE.
Como temos afirmado, em nossa longa trajetória na educação e na política, a elite brasileira discursa sobre a importância da educação e sobre valorização do magistério, secularmente, para agradar a largas parcelas da sociedade, mas na prática nutre um desprezo, quase enigmático, para não dizer que há um programa de descaso pela educação de base e desrespeito pelos professores.
Essa história de valorização da educação básica é para inglês ver.
A educação básica nunca foi uma política prioritária na agenda brasileira, nunca foi formulada como uma política de caráter verdadeiramente nacional. Somente para ilustrar, a estimativa do FUNDEB para este ano é de uma receita total de R$ 162,4 bilhões. Desse valor, R$ 147,6 bilhões correspondem ao total das contribuições de Estados, Distrito Federal e Municípios, e apenas R$ 14,8 bilhões são complementação da União. O que representa 10% dos investimentos da União no FUNDEB.
Em 2017, um Boletim de Nº 26 de consultores do Senado Federal mostrava que o gasto primário da União com educação totalizou R$ 117,2 bilhões, sendo R$ 75,4 bilhões com ensino superior e R$ 34,6 bilhões em educação básica. E quando analisamos os investimentos vemos quão desproporcional são, por exemplo, R$ 75,4 bilhões para 1,3 milhão de alunos matriculados nas universidades públicas contra R$ 34, 6 bilhões para mais de 50 milhões de alunos matriculados na rede pública de ensino.
Em 2018, o ex- ministro Rossielli Soares, em audiência pública na Comissão de Educação do Senado, afirmou que 80% dos professores da educação básica são formados na rede privada.
Assim, não nos surpreende o relatório do Deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) ao Projeto de Lei nº 4.372/20, que possibilita a fuga de recursos do FUNDEB para o “Sistema S”; amplia a possibilidade de remuneração de outros profissionais com os recursos do fundo, dificultando o cumprimento do Piso Salarial do Magistério; recua na previsão do Custo Aluno Qualidade, trabalhando com os recursos disponíveis, em lugar dos recursos necessários.
E apelamos pela efetiva valorização da educação básica pública e seus profissionais da educação e somos contra o desvio de recursos do FUNDEB.
*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada estadual de 1991 a 1999. É Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP.
**Publicado originalmente no site Planalto em Pauta
***Esse artigo não reflete necessariamente a opinião da ACEB.