A pandemia de Covid-19 desnudou os discursos dos capitalistas de que o país estava em crescimento econômico. Tudo não passava de propaganda enganosa, “conto da carochinha”, falácias. A pandemia veio para desmentir de forma categórica essa grande mentira. Talvez para uma parcela da sociedade, houve mesmo o crescimento econômico e social. Para os poucos que sempre viveram e continuarão explorando o estado de miséria da maioria da população, principalmente, a parcela mais empobrecida, principalmente a população negra.
Nunca antes na história republicana, assistimos a um espetáculo deplorável como agora: jovens, filhos, crianças, senhores idosos, senhoras grávidas e outras com filhos nos braços, permanecendo horas e horas nas filas para receber R$ 600. Este fato é deprimente e evidencia o quadro de necessidade de um povo que, nas propagandas, aparecem sorrindo como se tivessem um punhado de feijão para botar na mesa. As portas dos hospitais públicos encontram-se abarrotadas de pessoas, sem qualquer esperança de se salvar, não só da pandemia, mas também de tantas outras mazelas sociais.
Mas o nosso papo aqui é outro. O que queremos discutir é sobre as filas que os estudantes das escolas públicas, futuros dessa nação, tiveram que enfrentar para receber o valor de R$ 55. Qual é a perspectiva desses jovens? Entendemos que eles não deveriam estar naquelas filas, acompanhados de seus pais, com uma listinha nas mãos para fazer uma mínima compra, já pré-determinada. Não queremos culpar o Governador de momento, ao contrário, até o parabenizamos pela iniciativa, pois sabemos das necessidades que afligem a nossa sociedade. Afinal, nossa população mais carente, de maioria composta por descendentes de negros escravizados, é resultado de um sistema político, escravocrata que não terminou em 1888, mas permanece de uma forma ou de outra desde a Primeira República, com sua política de negação para aqueles que menos tinham, ou melhor, que continuam sem o direito de ter.
Assistimos em todos os canais de televisão as deprimentes longas filas, o que nos leva a indagar: será que esses alunos não deveriam estar em sala de aula? Ou, no mínimo, em razão da pandemia, em suas casas estudando para as provas do ENEM? Mas, ao contrário, estão em busca de um prato de comida. O que será dessa juventude, a quem falta o direito de estudar, realizar o exame do ENEM dignamente e dar continuidade aos seus estudos garantidos pela LDB? Que condições esses jovens terão de alcançar um bom emprego, para que os seus descendentes tenham uma condição de vida um pouco melhor que a sua no momento? A situação evidencia que os governantes não se prepararam para este e outros momentos, não só na questão da educação, mas na saúde, na moradia, na formação de mão de obra e na segurança. Quando abordamos a questão de preparação para o ENEM, não foi por falta de condições humana ou tecnológica, pois no quesito humano, sabemos que o Estado da Bahia tem total capacidade, através dos seus quadros de excelentes professores da rede pública, para prestar tais serviços via vídeo.
A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e o Instituto Anísio Teixeira já dispõem de serviços EAD, capazes de elaborar curso preparatório para alunos do 3º ano do Ensino Médio, preparando-os para o ENEM e assim, competir em pé de igualdade com todos os outros concorrentes da escola particular que estão se preparando via online. Mas, vem a pergunta que muitos farão, principalmente os incrédulos: o que fazer com aqueles alunos que não possuem computador? É uma indagação interessante. Somos um Estado capaz de fazer grandiosas festas de carnaval, juninas e tantas outras, que encantam o mundo, nas quais são despendidas vultosas verbas das iniciativas públicas/privadas, bem gestadas pelos governantes. Então, fórmulas já temos.
O Governo da Bahia e os prefeitos de todos os municípios foram mestres na questão da pandemia, deram conta como um maestro diante de suas orquestras. Então, como duvidar de um projeto maior para com a educação? Parece que falta é boa vontade diante da situação de educação e saúde. Precisamos juntos pressionar os governantes na busca de solução para a pandemia que assola a educação e abate as comunidades carentes. Os nossos governantes precisam buscar parcerias com as empresas que prestam serviços de tecnologia, para doação de aparelho de celular, com chip e crédito, para que os alunos tenham acesso às aulas (com bloqueio para outros serviços que não àqueles destinado ao aprendizado). Projetos desta natureza já vêm sendo aplicados em diversos outros países, com efeitos formidáveis. E para quem afirma que “os alunos não querem nada”, tenho outra sugestão: o governo já vem destinando R$ 50 para 800 mil alunos. Por que não acrescentar mais R$ 25 para aqueles que estão estudando para o ENEM, uma espécie de bolsa de estudo, como garantia de que esses alunos não abandonem o curso para trabalhar? Mesmo diante do perigo da morte, muitos desses estudantes estão aproveitando a quarentena para ganhar um trocado e levar a “intera” para sua casa.
Políticas públicas podem garantir que os estudantes das escolas públicas tenham acesso à educação de qualidade em todos os níveis, em pé de igualdade com as escolas privadas. Solução tem. O que falta é vontade.
Gilmar de Azevedo Santos é advogado, historiador e pedagogo
Observação: Os artigos de opinião reproduzidos pela ACEB não representam, necessariamente, a opinião da entidade.