Professora Lavínia Bomsucesso*
Vivemos em uma era civilizatória onde há uma crise ideológica sem precedentes. O encontro do novo com o velho tem produzido tanto reflexões e colapsos indesejáveis quanto oportunidades de ampliar a visão de mundo para aqueles que estão mais sensíveis. Todavia, isso requer um projeto de educação que favoreça a abertura de mentes e corações, para que haja mais sensibilidade na percepção da realidade, já que esta é composta por várias dimensões.
A primeira das dimensões é a ecológica. Gaya, Pachamama, soberana natureza, os ecossistemas. Parece que não temos reconhecido nossa interdependência, nem valorizado devidamente esta dimensão e honrado a mãe Terra de forma consciente, pois a vida humana está ligada a todos os seres bióticos e abióticos. Na sequência, temos a dimensão social. Como seres gregários – ainda que outros seres também possuam formas coletivas de organização, nos diferenciamos pela nossa cultura. Sobre este aspecto, vale destacar que a sociedade humana desenvolveu cognição para sobreviver, porém o estilo de vida que nós estamos adotando é devastador, na medida em que produz degradação e subjuga o ser humano ao próprio ser humano, o que gera alienação. Muitos grupos sociais ainda se encontram em condição de invisibilidade, ao passo que outros montam estratégias baseadas em ideias de ódio e vingança. Precisamos transcender a tudo isso. Sair da cultura da barbárie e avançar para uma cultura de respeito à vida.
à luz da contribuição de Edgar Morin, é possível compreender os contornos flexíveis da dimensão cultural. Entendemos que como o ser humano não vive em uma gaiola, a cultura não está presa. A cultura deve ser conhecida e algumas transformadas. A cultura configura-se como um veículo de transformação geracional. Se a nossa cultura possui desvios, temos a obrigação de enxergá-los e corrigir o rumo cultural que determina os vícios do nosso modus operandis. Se confinar e matar animais, hostilizar os próprios seres humanos, se apropriar a expropriar a natureza e a própria humanidade se transformou em práticas culturais na nossa sociedade, temos que desfazer e descriar, anular e aniquilar esse comportamento perverso e vil, e adotar uma cultura de humanidade, conectada com princípios de soberania, solidariedade, cooperação, amizade e confiança, valores humanos e culturais que a gente tem que construir e sensibilizar as presentes e as próximas gerações. Se existem os valores do mal, da violência e do ódio, também existem o amor, a comunhão e a solidariedade. Todos fundamentais para construção de musculatura da consciência.
Temos, ainda, a dimensão política, que é também a da cidadania. Embora esta dimensão tenha se perdido por meio de mecanismos corrompidos pelo capital, o qual modificou a compreensão de política, o fato é que está contida nessa dimensão a ideia do exercício da cidadania local e global, política e ambiental, exercida no meu lugar, mas também no meu planeta. Nesse sentido, precisamos superar a lógica da ignorância política, que é muito presente no discurso de pessoas que afirmam que política e religião não se discutem. Dizer isso não é inteligente. Pessoas abertas, sensíveis, esclarecidas e emancipadas discordam dessa afirmação, pois entendem que é preciso, sim, discutir e criar o enraizamento das micropolíticas. Essa prática responsável está comprometida com a diminuição da assimetria de poder entre os setores, com a criação de novas escalas de participação social e com a busca pela tomada de decisão conjunta. Os cidadãos precisam se interessar por política. A assimetria de poder é uma mostra do prejuízo de retirar da educação domínios ligados à formação política. A inclusão social e a conquista do empoderamento social requer tomada de poder. Esta realidade fala cada vez mais alto por conta das próprias pressões e contradições da atualidade.
A dimensão jurídica, por sua vez, requer que o ser humano conheça as leis do seu país. Assim como deve conhecer seu alfabeto e sua língua, ele deve se familiarizar com seus códigos legais, a fim de compreender melhor o direito sobre seus territórios, conferir mais dignidade e, a partir deste empoderamento, trazer a condição de igualdade ou, pelo menos, de diminuição das diferenças entre seus pares. Enquanto o conhecimento da lei for restrito apenas aos advogados, aos juízes e aos que estudam Direito, a assimetria de poder vai persistir. Enquanto as pessoas permanecerem distantes da Constituição do seu país, é bastante provável que as manobras que se valem do desconhecimento permaneçam sendo úteis às burlas e reformas que tanto prejudicam a sociedade.
Temos, ainda, a dimensão tecnológica, que possibilita o desenvolvimento de ferramentas que permitem o ser humano ir além. É o campo das possibilidades, da transcendência dos limites. Através dela, são desenvolvidas tecnologias para melhorar a educação, a comunicação, o transporte, o saneamento, o desenvolvimento de estratégias comerciais e o controle de mudanças climáticas. Nesse sentido, a tecnologia tem o potencial de colaborar para diminuir tanto a quantidade de inputs ao meio ambiente quanto a curva de passivos gerados a partir da realização de nossas atividades na sociedade. Se vamos construir uma fábrica, por exemplo, precisamos utilizar as mais altas tecnologias para mitigar danos e até mesmo impedir que eles aconteçam. A tecnologia é uma aliada do ser humano, entretanto, nem sempre está a favor da sustentabilidade e/ ou acessível a todos.
Por fim, apresento a dimensão econômica, que vem sendo a mais preponderante em nossas relações. A dimensão econômica pauta o ritmo de desenvolvimento da sociedade e os dados de degradação ambiental mostram seus efeitos e impactos avassaladores. As sociedades humanas encontraram no capital uma resposta de supressão de nossos bens comuns e de controle de todos os extratos sociais. Hoje, um ser humano vale o quanto tem. É preciso superar isso. Nada pode afetar a capacidade do ser humano de ser próspero e exercer sua cidadania. A verdadeira prosperidade produz dignidade, inclusão e participação. Sendo assim, precisamos de justiça social, da revisão de leis que foram alteradas, via reformas, para diminuir nossos direitos e excluir políticas sociais que determinam a possibilidade de equilíbrio econômico e de superação das grandes distorções entre ricos e pobres.
Nossa sociedade deve abrir uma janela de oportunidades para um novo estilo de vida, onde as comunidades encontrem a perspectiva da aprendizagem, reconhecendo todo o seu legado de experiências e intercâmbio com outros grupos. Para finalizar, quero dizer que neste momento de tensão entre os segmentos, em que nossa sociedade está buscando construir uma nova ordem, temos que acreditar e investir na vida e no potencial do ser humano para transformar as pessoas e as suas realidades.
* A Professora Lavínia Bomsucesso possui licenciatura em Educação Física (UCSAL) e Mestrado em Engenharia Ambiental (2004). É professora da graduação da UNIRB e professora da pós-graduação em nível de especialização na ACEB. Foi docente da FSBA e consultora/mobilizadora da V Conferência Infanto-juvenil pelo Meio Ambiente, promovida pelo Ministério da Educação e Ministério do Meio Ambiente. Tem experiência em técnicas e estratégias de Mobilização Social, Educação Ambiental, Gestão Social do Ambiente, Tecnologias Sociais, Interação Social, Recursos Hídricos e em processo de Licenciamento Ambiental de grandes empreendimentos.