Primeiro artista a colocar a capoeira nos shows musicais, o cantor, compositor, publicitário, gestor cultural e mestre de capoeira Tonho Matéria acaba de se associar à ACEB. Compositor de mais de 300 músicas gravadas por grandes intérpretes da música popular baiana brasileira, tais como Leci Brandão, Daniela Mercury, AraKetu, Olodum, É o Tchan, Beth Carvalho, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Terra Samba e muitos outros, o mais novo acebiano desenvolve um belíssimo trabalho social, através do qual assiste mais de 400 crianças, adolescentes e adultos. Além de dirigir a Associação Cultural de Capoeira Mangangá, Tonho Matéria é membro do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), ocupando a cadeira da Capoeira, membro do Grupo de trabalho (GT) da Salvaguarda da Capoeira, organizador do Grupo dos Artistas Negros Independentes e Conselheiro do Troféu Berimbau de Ouro. Entre diversos prêmios conquistados pelo artista ao longo de sua carreira, destacam-se o de Comendador da Bahia, com a Medalha 2 de Julho, e a Comenda do Município de Salvador, com a Medalha Zumbi dos Palmares. O novo acebiano foi diretor da Liga Baiana de Capoeira, membro do Conselho Fiscal do Forte da Capoeira e diretor do Fórum de Capoeira de Lauro de Freitas. Em uma entrevista exclusiva para a ACEB, ele falou sobre os desafios criados pela pandemia de Covid-19 para ele, assim como para outros artistas independentes. Confira:
ACEB – O que você tem feito desde o início da pandemia de Covid-19, diante da proibição de shows e isolamento social?
Tonho Matéria – No início fiquei mais em casa, assistindo jornais e tudo o que se falava sobre o coronavírus. Quando vi que realmente era uma coisa séria, passei a ler e assistir vídeos para saber mais sobre o assunto. Depois, passei a entrar em contato com amigos, buscando apoio para ajudar as pessoas de baixa renda nas comunidades.
ACEB – Quais têm sido as maiores dificuldades para você e outros artistas neste período e como têm conseguido driblá-las?
Tonho Matéria -: Para mim, em especial, grande tem sido a dificuldade para realizar eventos online. As grandes empresas não apoiam os artistas negros e independentes, fato que torna muito difícil driblar este momento. Acredito que outros artistas independentes também passem pela mesma dificuldade. Tanto que alguns, para dribla-lá, estão fazendo lives e negociando com os músicos para pagar quando tiverem grana.
ACEB – Para você, a arte está em crise ou o problema maior da pandemia para os artistas é, basicamente, de cunho sanitário e econômico?
Tonho Matéria – A arte nunca estará em crise. Ela é um sentimento que se desenvolve no ser humano sensível. Infelizmente, muitos que não têm em si a arte tentam se apropriar dela, provocando verdadeiras crises. Quanto à pandemia, é um momento muito delicado, em que o Estado Brasileiro precisa separar os conceitos de cultura, educação, saúde e economia. O Brasil precisa desenvolver um pensamento econômico mais estruturado voltado para atender a camada mais pobre. Ultimamente, existe um pensamento semelhante ao da Roma antiga, marcado por dominação política, riqueza como meio de conquista e dominação militar. E o povo que morra de Covid-19! Com tanta gente falecendo, o Governo Central insistir na abertura do comércio e induzir a população a ir para as ruas, sem se preocupar com os riscos, parece-me absurdo. O desejo de ver o povo gastando enquanto devastadoramente a doença se prolifera nas comunidades é tudo o que importa para alguns detentores de poder.
ACEB – Entre os grandes aprendizados que a pandemia tem ensinado, você destacaria algum em especial?
Tonho Matéria – Sim, tenho lido bastante para entender mais o meu eu, o porquê de não ter tempo dedicado para mim mesmo e qual o sentido de viver uma vida com dívidas que poderiam ser evitadas. Para onde iremos e por que? São algumas das perguntas que me faço nos últimos tempos. Além disso, estou participando de grupos sobre variados temas: do racismo estruturante à masculinidade tóxica e frágil. Estou cozinhando, arrumando a casa, lavando os pratos, banheiro e roupas, para entender de fato o quanto as mulheres são escravizadas em casa sem receber nenhum salário. Tenho pensado muito sobre isso há muitos anos.
ACEB – Você compôs alguma música nos últimos meses inspirado pelas vivências deste momento? Pode nos adiantar algo a respeito?
Tonho Matéria – Sim, claro, toda hora aparecem umas ideias e vou registrando no celular. Compus uma canção chamada “Cuide de Você”, com meu parceiro Marquinhos Marques. Estou criando alguns trechos de letras e terminando com o Carlinhos Brown.
ACEB – Como você avalia a situação dos capoeiristas na pandemia? O que tem sido feito para apoiá-los e que outras ações deveriam ser realizadas neste sentido?
Tonho Matéria – Nós capoeiristas. que vivemos simplesmente da arte para a arte, deveríamos ter uma lei no estado que nos desse total garantia de vida. Por sermos os olhos do estado nas comunidades, realizamos trabalhos gigantescos. Não somos só professores e mestres de capoeira. Somos psicólogos, filósofos, advogados, psicanalistas, os médicos da mente dos jovens, além de difusores da cultura, do turismo e do entretenimento. Promovemos, além da prática da capoeira, a cultura, a educação, o desenvolvimento social e tantos atributos. Mas o estado não reconhece isso e portanto, neste momento de pandemia, muitos capoeiristas estão desassistidos. Com a Mangangá, estamos buscando parcerias com instituições para ajudar não só os capoeiristas, mas também as suas comunidades. A Associação Classista de Educação e Esporte da Bahia (ACEB) é uma das nossas parceiras nesta luta. Espero que com o Projeto Emergencial da Cultura, por meio dos órgãos competentes tanto do município quanto do estado, possamos criar programas que atendam e ajudem esses profissionais.
ACEB – Como está o trabalho social que você desenvolve? Dê detalhes sobre ele e diga como as pessoas podem colaborar.
Tonho Matéria – A Associação Sócio-Cultural e de Capoeira Bloco Carnavalesco Afro Mangangá é uma instituição sem fins lucrativos que atende crianças, jovens e adultos de ambos os sexos. Este ano, completaremos 19 anos de existência e ao longo desses anos, ajudamos a mudar a vida de muitas pessoas. Hoje, temos pelo menos 28 alunos matriculados em universidades e faculdades. O que para nós foi um grande desafio hoje é motivo de gratidão a Deus pelo caminho que está sendo seguido por esses vencedores. Temos a matriz no bairro do Pau Miúdo (Rua Professor Soeiro, 58) e filiais espalhadas em algumas comunidades como IAPI, Nova Brasília, Pernambués, Canabrava, Castelo Branco, Sete de Abril, Bom Juá, Simões Filho, Juazeiro, Lauro de Freitas e em países como Itália, França, Moçambique, Estados Unidos, Noruega e Espanha. São alunos que acreditam na proposta da associação e dão continuidade aos seus trabalhos, levando a instituição consigo.Qualquer pessoa pode colaborar com a Mangangá por meio de parcerias.
Estamos precisando construir nossa sede e como não temos verbas, estamos pensando em realizar uma vaquinha virtual. Estamos presentes nas redes sociais Facebook, Instagram, Twitter e no aplicativo do WhatsApp.
ACEB – Como conheceu a ACEB e o que o motivou a se associar?
Tonho Matéria – Conheci primeiro Anne Cristina, que estava com meu amigo Marcelo Ramos, esposo dela. Isso foi na casa do meu parceiro de palco, Linnoy, numa gravação sobre o meu time do coração, o Esporte Clube Bahia. Daí, então, nos encontramos em um outro momento e Anne me falou sobre a ACEB. Achei muito interessante os trabalhos que a instituição realiza e falei que queria ser parceiro. Recentemente, decidi me filiar e participar do departamento de Arte e Cultura.
ACEB – Deixe uma mensagem para seus fãs e apreciadores da sua carreira.
Tonho Matéria – Se possível, permaneçam em casa. Se realmente tiver que sair, use máscaras e não esqueçam do álcool em gel. Ao retornar para casa, sigam o ritual dos africanos: tire os sapatos, coloque a roupa para lavar e lave bem as mãos ou vá logo tomar banho. Preciso de todos vivos para ouvirem músicas afro. Para não engordar, pratiquem capoeira. E muito obrigado a todos pelo carinho especial de sempre e pelo reconhecimento ao meu trabalho.