A Psicanálise dos Contos de Fadas

Maria José Rocha Lima
 
A psicanalista Maria Elena Rodrigues da Silva, presidente ABEPP[2]-, nos presenteou, na última semana, com uma aula magistral, na qual tratou da psicanálise nos contos de fada.


Todos nós, que já vínhamos acompanhando as aulas sobre a questão, alguns, como eu, desde 2010, fomos brindados com as abordagens dos contos na clínica psicanalítica, particularmente sob um olhar multidisciplinar e a oferta de rica bibliografia. “Maria Elena garimpou preciosidades sobre o tema”, comentou a psicanalista Germana Carsten, ex- aluna da ABEPP.  


Para Maria Elena, “é comum na prática clínica lidarmos com histórias que, mesmo de forma inconsciente, foram constituídas, adaptadas e até então enredadas com os Contos de Fadas”. 
Inspirada no grande psicólogo infantil Bruno Bettlheim, que escreveu uma obra brilhante e comovente sobre o inefável valor dos Contos de Fadas, Maria Elena falou da sua importância pedagógica e psicológica, apoiando as crianças e possibilitando a liberação das emoções que elas dificilmente conseguem expressar.  


A psicanalista analisou a arqueologia e a ilustração dos contos, oferecendo-nos elementos para analisar o desenvolvimento psíquico de uma criança até a adolescência e os contratempos enfrentados, ao longo da vida.  
Com razão, ela pontuou que os Contos de Fadas “traçam a jornada da vida”, apresentando os mesmos problemas vivenciados pelas crianças, jovens e adultos pelo mundo afora. São arquétipos do inconsciente coletivo, segundo Carl Jung. São as estórias da roda de conversas de aldeias, existentes do oriente ao ocidente, até em civilizações pré-colombianas, como advogam os estudiosos da Escola Finlandesa de Folclore. (Galvão, 2019) 


Os contos de fadas são úteis e interpretados, segundo o grupo humano que os transmitem por mensagens, apresentando ensinamentos atemporais: contêm elementos míticos recortados de grandes mitos da humanidade, sendo menos complexos e mais acessíveis do que estes.


Maria Elena afirma que, no estudo da Psicanálise, nos referimos aos Contos de Fadas para refletir as nuances das Fases do Desenvolvimento Humano, pois como a vida é frequentemente desconcertante para a criança, ela precisa ter a possibilidade de se entender neste mundo complexo com o qual deve aprender a lidar. Para ser bem sucedida, a criança deve receber ajuda e dar um sentido coerente ao seu turbilhão de sentimentos. 


Para ela, “a criança necessita de ideias sobre a forma de colocar ordem na sua casa interior e com base nisso ser capaz de criar ordem na sua vida. Ela necessita de uma educação que, de modo sutil e implícito, conduza às vantagens do comportamento moral, não através de conceitos éticos abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmente correto e significativo. Este tipo de significado a criança encontra nos Contos de Fadas”.  


A psicanalista lembrou que, sobre essa percepção psicológica, o poeta alemão Schiller afirmou: “Há maior significado nos Contos de Fadas que me contaram na infância do que a verdade que a vida ensina”. Observa Elena que os Contos de Fadas transmitem importantes mensagens à mente consciente, à pré-consciente e à inconsciente em qualquer nível que esteja em funcionamento.  


Para ela, essas estórias falam ao ego em germinação e encorajam seu desenvolvimento, aliviam as pressões pré-conscientes e inconscientes. A validade e as pressões do id tomam corpo, à medida que as estórias se desenrolam, mostrando caminhos para satisfazê-las, de acordo com as exigências do ego e do superego. 


A psicanalista comenta que Bruno Bettelheim nos fala que, em sua experiência, as crianças, em todos os níveis de inteligência, acham os Contos de Fadas folclóricos mais satisfatórios que todas as outras estórias. “Essas  estórias falam das pressões internas graves de um modo que as crianças, inconscientemente, compreendem, sem menosprezar as lutas interiores mais sérias que o crescimento pressupõe – oferecem exemplos tanto de soluções temporárias quanto permanentes para dificuldades prementes”. 


Maria Elena concluiu: “A Psicanálise foi criada para capacitar o homem a aceitar a natureza problemática da vida sem ser derrotado por ela ou levado ao escapismo. A prescrição de Freud é de que só lutando corajosamente contra o que parecem probabilidades sobrepujantes o homem pode ter sucesso em extrair um sentido da sua existência”. 
 
 

Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e dirigente da ABEPP. Membro da Organização Internacional Clube Soroptimista Internacional Brasilia Sudoeste

Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise -ABEPP 

Publicado originalmente no site: Planalto em Pauta