A elite brasileira é enferma de desigualdades, e a defesa da educação não passa de hipocrisia

Maria José Rocha Lima

No Brasil, lamentavelmente por iníqua tradição cultural, a garantia da educação como direito social se deu marcada por um atraso secular e uma lentidão impensável. As causas para tanto atraso educacional vêm sendo apontadas por teóricos, a exemplo do sociólogo Florestan Fernandes (1989, p. 160), que, ao analisar a história brasileira, identifica a dependência econômica, o obscurantismo das classes dominantes e um permanente conflito levado para o interior da escola, que pouco ajuda na solução de problemas, como fatores do atraso.Prova desse atraso e descaso secular foi a arena política que se estabeleceu após a solenidade realizada na manhã de sexta-feira, 4/02/2022, no Palácio do Planalto, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, assinaram a portaria que formaliza o reajuste de 33,24% no piso salarial de professores da educação básica na rede pública.  Com o aumento, o salário passa de R$ 2.886 para R$ 3.845,63. O jornalista Josias Souza comentou que o piso salarial de qualquer faxineira que trabalhe cinco dias na semana, com diárias de R$ 200,00, alcançará R$ 4.000,00 por mês, e, se acrescentar o sábado, receberá R$ 4.800,00.O piso se aplica aos profissionais com formação em magistério em nível médio – vinculados a instituições de ensino infantil, fundamental e médio das redes federal, estadual e municipal –, que têm carga horária de trabalho de 40 horas semanais. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a medida abrange professores, diretores, coordenadores, inspetores, supervisores, orientadores e planejadores escolares em início de carreira.O reajuste está previsto em lei de 2008.

Segundo o texto, o valor mínimo para os docentes da educação básica deve ser reajustado anualmente em janeiro.Durante a tramitação da lei que criou o Piso Salarial Profissional Nacional, o Deputado Alex Canziani, na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, no seu voto ao Substitutivo do Senado Federal, registrou que “adotar o INPC, como parâmetro permanente, para a atualização do piso, elimina qualquer possibilidade de aumento real de seu valor. O texto aprovado pelo Senado Federal contorna as deficiências de ambos os critérios, ao manter a atualização do piso salarial vinculada ao valor anual mínimo por aluno no âmbito do FUNDEB”.O Ministério da Educação (MEC) informou que mais de 1,7 milhão de profissionais de educação serão beneficiados. O ministro Milton Ribeiro afirmou: “Nosso presidente decidiu, na hora da discussão técnica, pelo maior reajuste salarial definido desde a aprovação do piso salarial. Um acréscimo de 33,24%.” Eu me associo a todos aqueles que compreendem que “os professores são os mais importantes atores na promoção de uma educação de qualidade e, portanto, devem ser entendidos como centrais para uma mudança estruturante”.Em 2022, portanto, nenhum profissional do magistério  de escola pública poderá receber menos do que R$ 3.845,63”, concluiu o titular do MEC. E quem não cumprir deveria receber pela frente um Decreto Legislativo que os obriguem a cumprir a Lei.O anúncio do reajuste do Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN- serviu para revelar  definitivamente aquilo que Florestan Fernandes apontava como o mais importante dilema educacional: a “objetificação e limitação cultural dos professores, que vem de tempos longínquos e alcança os nossos dias”.Esses governantes juram até de pé junto defenderem os ofendidos e humilhados professores, mas na verdade eles se importam mesmo é com os lucros dos banqueiros e dos empreiteiros, e que se danem os professores, que têm depositados  nas salas de aulas 39,7 milhões de alunos das classes populares, na rede pública de ensino. Esses alunos quanto menos aprenderem melhor, para continuarem sendo manobrados politicamente, até o país ser totalmente dilapidado.  O descompromisso com a democracia e a perversidade com os pobres professores brasileiros são tantos que alguns governadores, prefeitos, ex- ministros e altas autoridades da República da Ignorância perdem a compostura, rasgando a Constituição Federal, desconstituindo o Poder Legislativo. É um triste espetáculo de mesquinhez, de politicagem e desfaçatez.  A desfaçatez de alguns deles começa com uma discussão clássica de que “é preciso primeiro promover a atratividade da carreira, o que não vem ocorrendo”. Há os que colaboram com os governadores e prefeitos transgressores da lei, com argumentos aparentemente procedentes e sofisticados, reivindicando a imediata equiparação com outros profissionais de nível superior, o que está inscrito no PNE que estabelecia esse prazo para 2016, nunca cumprido. Também há aqueles argumentos do tipo “a valorização só se efetivará quando tivermos uma carreira do magistério federalizada”. Uma proposta que sempre defendi, inspirada em Anísio Teixeira, mas o momento não comporta essa discussão.Devemos ressaltar que instrumentos Constitucionais como o FUNDEB deveriam garantir uma maior equidade nacional, reduzindo drasticamente as desigualdades regionais.

O Plano Nacional de Educação define em quatro das vinte metas a valorização do professor.A discussão do reajuste do Piso Salarial contribui para a corrosão desta combalida democracia. E que Congresso Nacional é esse que não se impõe sobre esses transgressores da Lei do Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN, LEI 11.738/2008, aprovada pela maioria dos deputados e senadores, expressando uma vontade nacional?Que história é essa de questionar a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional aprovada   e ratificada pelo STF, que deu perda de causa para governadores que o acionaram quando da sua aprovação, alegando que a lei invadia o pacto federativo? E o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação – FUNDEB, estabelecido na Constituição Federal, que vem sendo sistematicamente descumprido por alguns  governos estaduais e  por um sem número de prefeituras, dos maios diversos partidos e colorações ideológicas?  Lei aprovada pelo Poder Legislativo, a maior representação do povo brasileiro, como lembrou Ives Gandra, em entrevista à Jovem Pan, em agosto de 2021. O jurista e professor de Direito Constitucional nos alertou no sentido da necessidade de harmonia e independência entre os poderes, mas destacou que o maior dos poderes é o Legislativo, porque representa muitos milhões de brasileiros de todas as opiniões.  Em segundo o executivo, que representa a maioria dos eleitores. E só em terceiro lugar vem a justiça.   Enfim, toda essa discussão abre brechas para os transgressores da lei!   Discussões, aparentemente, técnicas, mas para quem conhece as elites brasileiras e estudou um pouco sobre Ponerologia (o estudo do mal) logo identifica a trama. Acabo de escrever tese de doutorado na qual identifiquei uma série de estudos nos quais até alguns acadêmicos afirmavam que os salários dos professores só serão adequados quando os professores conquistarem o reconhecimento, o prestígio social, dos quais não gozam junto à sociedade.  É a tal a pergunta: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?

Maria José Rocha Lima é mestre e doutora em educação e psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. É  fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista filiada a ABEPP. Membro da Soroptimist International SI Brasília

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