O homeschooling ou, em bom português, educação domiciliar, é o formato de ensino feito em casa. Com isso, os alunos substituem a frequência constante à escola pela educação doméstica, onde as aulas são lecionadas nas próprias residências pelos genitores ou por professores particulares contratados. Assim, a responsabilidade pela educação formal dos filhos é atribuída apenas aos pais ou responsáveis. No Brasil, a prática do homeschooling acaba de ser liberada no Distrito Federal. Na última quarta (16), o governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionou a lei que institui o homeschooling em Brasília. A lei vale a partir de fevereiro de 2021.
No resto do país, o ensino domiciliar não é permitido por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que em setembro de 2018 entendeu não haver uma lei que regulamente o ensino domiciliar no país. Embora a lei não proíba explicitamente a prática, ela também não a respalda. De acordo com a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases Educacionais (LDB), a educação é “dever do Estado e da família”. A LDB ainda coloca como dever dos pais ou responsáveis “efetuar a matrícula das crianças na Educação Básica a partir dos quatro anos de idade”.
Pelo fato do ensino domiciliar não ser tratado explicitamente na legislação, é possível recorrer na justiça para conseguir autorização para educar em casa. Porém, a decisão cabe à interpretação da justiça e nem todas as famílias conseguem a garantia da prática. Aproveitando essa brecha, 7.500 mil famílias brasileiras praticam o homeschooling, de acordo com estimativa da Associação Nacional De Educação Domiciliar (Aned) em pesquisa realizada em fevereiro de 2016. Os dados apontam também que cerca de 15.000 estudantes entre 4 e 17 anos fazem parte da educação doméstica no Brasil. Essa forma de ensino não é nova e ressurgiu nos Estados Unidos na década de 1970. Ela é legalmente permitida em 63 países, onde a maioria exige uma avaliação anual dos alunos que recebem essa forma de educação. Já na Alemanha e Suécia, por outro lado, a educação domiciliar é considerada crime.
A regulamentação da educação domiciliar estava entre as metas prioritárias do governo Bolsonaro para os 100 primeiros dias de gestão. Em 2019, o atual governo disse que enviaria uma Medida Provisória ao Congresso para tratar o tema, mas acabou encaminhando uma proposta de projeto de lei que visa criar regras para quem prefere educar os filhos em casa. A proposta não avançou na Câmara. Com a pandemia do coronavírus, as aulas presenciais foram suspensas e se tornaram totalmente remotas e a distância. Por isso, diversas famílias estão conduzindo mais ativamente as atividades escolares de seus filhos de dentro de casa, cenário próximo do homeschooling, o que levantou o interesse pelo ensino doméstico.
Conheça quais são os argumentos favoráveis e contra o modelo, de acordo com os especialistas:
SIM
Insatisfação do ensino no Brasil
Um dos principais argumentos dos que defendem o homeschooling seria a baixa qualidade de ensino no país. Segundo dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil aparece entre as 20 piores colocações no ranking das três áreas acompanhadas pelo exame: matemática, ciências e leitura. Por isso, os pais optariam por tirar seus filhos das escolas tradicionais e oferecer um ensino diferenciado sem sair de casa. Para os defensores da prática, os responsáveis pelas crianças desenvolveriam uma educação personalizada que focaria em explorar o potencial, talentos e preferências de cada criança e adolescente.
Não é necessário avaliações ou provas O homeschooling não foca em provas ou avaliações como as escolas tradicionais. Segundo os praticantes brasileiros, a metodologia foca em ensinar no tempo de cada um, sem nenhum tipo de pressão para aprender.
A metodologia do ensino domiciliar teria o poder de ensinar conforme o ritmo e o estilo de aprendizado do aluno, proporcionando maior amadurecimento, desenvolvendo a disciplina de estudo e o gosto pelo aprendizado e favorecendo o empreendedorismo. Maior aprendizado As escolas tradicionais têm em média de 25 a 30 alunos por classe para um único professor, com isso se torna difícil deixar todos os outros de lado para resolver as necessidades específicas de cada um.
Com o homeschooling focando em um aprendizado mais personalizado, não se perde a concentração, a criança recebe mais atenção individualizada e pode tirar suas dúvidas, direcionar a matéria e interagir de forma plena.
No homeschooling, as crianças e adolescentes socializam normalmente com amigos, parentes e vizinhos. Frequentam parques, praças, parquinhos, clubes, bibliotecas, praticam esportes; além de participarem de grupos de apoio, que são grupos de famílias que praticam a educação domiciliar e se reúnem para interagirem entre si.
Segurança e Conforto Uma das principais preocupações dos pais e responsáveis é a segurança de seus filhos dentro das instituições de ensino. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva e do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) indica que a cinco em cada dez professores da rede já sofreram algum tipo de violência nas dependências das escolas em que lecionam. Entre estudantes, 37% declararam ter sofrido algum tipo de violência.
Com o homeschooling, por estarem dentro de casa, os pais sentem que as crianças estão mais seguras e confortáveis.
Ideologias políticas e religiosas
Uma das principais reclamações dos pais defensores do ensino domiciliar é a teoria (não comprovada) de que existiria uma doutrinação ideológica por parte dos professores. A história contada do ponto de vista de um determinado partido ou posição política, por exemplo, moldaria a mente dos seus filhos, em fase de desenvolvimento. Com a educação domiciliar, esses pais ensinariam seus próprios valores, posicionamentos políticos e morais, sem abertura para influências externas.
NÃO
Ausência de formação adequada
Os pais e responsáveis que são adeptos ao homeschooling, não são necessariamente treinados e qualificados para o ensino. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), é necessário formação mínima para o exercício do magistério.
Segundo o artigo 62 da LDB: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”.
Pais e responsáveis, muitas vezes, não têm experiência em primeira mão com a educação domiciliar, além de não terem pleno conhecimento sobre os diversos assuntos que as crianças e adolescentes devem aprender durante sua formação. Isso impede que os alunos recebam uma educação de qualidade, que os professores treinados e capacitados podem oferecer em escolas tradicionais.
Além disso, os pais privam as crianças de aprender uma diversidade de assuntos. Com o homeschooling, acontece uma limitação da aquisição de conhecimentos e da visão de mundo das crianças, com isso muitos assuntos como raça, religião e gênero podem deixar de serem pautados. Vale destacar também que, ninguém é capaz de aprender em casa tudo o que se aprende na escola.
Falta de socialização
Uma das grandes preocupações é a falta de convívio social com outros alunos da mesma idade. Por serem educadas em casa, as crianças são privadas de viver com outras crianças.
Isoladas, essas crianças deixam o convívio em sociedade, fator importante para o desenvolvimento intelectual e social dos indivíduos. É necessário que o aluno passe por conflitos, situações diferentes e divergentes do que está acostumado. No homeschooling, onde a convivência entre pais e filhos só se intensifica, dificilmente uma criança diverge de seus pais, pois ela os enxerga como autoridade absoluta, o que fará com que dificilmente haja a contraposição de ideias.
Para que um pensamento científico se desenvolva, é necessário que a criança lide com outros pontos de vista, e reconheça situações diferentes daquilo que ela acredita ser verdade. Um dos cernes do Estatuto da Criança e do Adolescente é a garantia do direito à educação e ao convívio familiar e comunitário.
Dificuldade de identificação de abusos
Os defensores do homeschooling apontam a família como um lugar de proteção e seguranças para as crianças e adolescentes. Mas nem todas as famílias realmente as protegem, e algumas das vezes sofrem diversos abusos físicos, psicológicos e até sexuais, dentro de suas próprias casas.
Com o ensino doméstico, as crianças passam mais tempo dentro de casa e essas situações se tornam difíceis de serem detectadas, isso porque a identificação de maus tratos, negligenciamento e abusos costuma ser feita pela escola.
A escola muitas vezes é o espaço onde as crianças e adolescentes pedem “socorro”. Então quando os estudantes saem de casa, e se encontram com outras pessoas, conseguem expressar o que vem acontecendo. A educação domiciliar cria um obstáculo para que a escola seja esse espaço de detectar situações de violência.
Falta de avaliações de aprendizado
As Diretrizes Curriculares para a Educação Básica é a regulamentação que organiza e articula o desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino do Brasil.
No homeschooling, não existe uma regulamentação para acompanhar e avaliar se a grade curricular básica está sendo seguida, ou seja, se os alunos que são educados pela família estão recebendo as instruções necessárias para o desenvolvimento de competências intelectuais, culturais e sociais. Com isso, não existem meios para garantir que a educação doméstica seja de qualidade, ou que a criança esteja realmente estudando e não trabalhando, por exemplo.
Nos países onde a prática é legalizada, a maioria aplica uma avaliação anual aos estudantes educados em casa, para garantir que eles estejam recebendo o ensino básico.
Investir na melhoria, não segregar
Se uma das principais justificativas dos apoiadores é a baixa qualidade de ensino no Brasil, os contrários ao modelo defendem que se deve investir na melhoria na educação e não simplesmente tirar as crianças da escola.
Os principais apoiadores do ensino domiciliar são grupos extremamente conservadores, que querem privar suas crianças de conviver com a diversidade que existe no Brasil e por isso usam essa justificativa. O movimento cresce porque não há interesse em melhorar a educação no país, e, sim, em segregar essas crianças e adolescentes, sendo uma forma de isolar os alunos de conhecimentos emancipadores.
Se por algum motivo a criança não se adapta à determinada instituição de ensino, os pais devem buscar soluções para resolver o impasse junto à escola e não simplesmente optar pelo homeschooling.
Fontes: Catarina de Almeida Santos, coordenadora do Comitê do Distrito Federal da Campanha Nacional Pelo direito à Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB); Denise Carreira, Mestre e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); Jaque Schettert, Fundadora do Movimento homeschooling no Brasil; Rafael Gomes, Mentor do Movimento homeschooling no Brasil
Publicado originalmente no site: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/12/17/conheca-os-pros-e-contra-do-homeschooling-a-educacao-domiciliar-no-brasil.htm