Um professor de história que utiliza a poesia para ensinar. Este é Flávio Márcio Cerqueira do Sacramento, natural de Cachoeira-Ba. Graduado em Licenciatura em História (UFBA), especialista em Metodologia de Ensino na Contemporaneidade (Faculdade Visconde de Cairu/ACEB) e mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas (UFRB), o professor poeta atua, desde 2000, como efetivo na rede estadual de ensino da Bahia, mais especificamente nos Colégios Estaduais Ana Bernardes e Edvaldo Brandão Correia, ambos no bairro de Cajazeiras, em Salvador.
Como professor efetivo da rede municipal de ensino da capital baiana, onde atua desde 2004, ele começou a lecionar na Escola Municipal de Fazenda Coutos, sendo posteriormente transferido para a Escola Municipal Manoel de Almeida Cruz, situada em Cajazeiras 11. Por acreditar que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, este professor decidiu inovar com criatividade, a fim de tornar suas aulas mais atraentes e produtivas. A ideia evoluiu e se transformou em livros. Os alunos aprovam e os resultados são notórios. Para conhecer melhor essa experiência, a ACEB conversou com o professor. Confira o resultado:
ACEB – Como surgiu sua paixão pela poesia e de onde veio a motivação para utilizá-la no ensino de história?
Flávio Márcio Sacramento – Minha paixão pela poesia veio na adolescência, especialmente quando saí de Cachoeira para cursar o ensino médio em Salvador, onde tive acesso a leituras que despertaram esse gosto e comecei a fazer meus próprios versinhos, escrevendo sentimentos na tentativa de matar a saudade da família do interior. Infelizmente, nas idas e vindas da vida, trocas de casas e no meio de toda a bagunça da adolescência, acabei perdendo os versinhos. Porém, a poesia de fato ganhou maior significado quando passei a lecionar. Na busca por uma aula mais criativa, tive contato com a poesia de Fernando Pessoa. Em 2001, dei uma aula sobre expansão marítima portuguesa utilizando o poema Mar Português. A aula foi um show e até hoje, utilizo a metodologia para ensinar a história das grandes navegações, mas, sobretudo, para motivar os alunos, que geralmente vibram com os versos enquanto desenvolvo a aula através da interpretação deles. Enquanto eu buscava textos que faziam esse bate-bola entre história-poesia-música (textos de Ferreira Gullar, Milton Nascimento e Fernando Brant, Cecilia Meireles, Vinicius de Moraes, Edson Gomes…), passei também a escrever e incentivar a escrita do alunado neste sentido. Fiz uma especialização sobre essa temática, visando demonstrar como a poesia poderia facilitar a aprendizagem em História, e passei a desenvolver cada vez mais essa escrita e incentivar a escrita dos discentes. Em 2009, encorajei-me a reunir os textos que já tinha e passei a escrever aulas de história do Brasil em versos. Desta forma, surgiu o livro Trilhos da História do Brasil, publicado por iniciativa particular, em 2013, quando esse método desenvolvido nas escolas onde leciono foi socializado. O Soteropohistória veio logo em seguida.
ACEB – Em que séries essa metodologia tem sido aplicada? Desde quando? Quais têm sido os resultados dessa experiência?
Flávio Márcio Sacramento – A metodologia é aplicada no 8º e no 9º ano do ensino fundamental II, na rede municipal de ensino, onde trabalhamos a História do Brasil e a História de Salvador; no 2º e 3º ano do ensino médio; e no Tempo de Aprender II, da EJA. Os resultados são perceptíveis a partir de uma maior concentração e participação dos alunos nas aulas, pois os versos estimulam os questionamentos, na busca de um ensino de história mais prazeroso, culminando com os melhores resultados nas avaliações, além do incentivo à produção dos próprios versos dos discentes. Para compartilhar como a metodologia funciona na prática, publiquei alguns vídeos: (https://www.youtube.com/watch?v=Ku27Cr7xzXQ; http://ambiente.educacao.ba.gov.br/tv-anisio-teixeira/programas/exibir/id/3324; http://pat.educacao.ba.gov.br/tv-anisio-teixeira/programas/exibir/id/3324
ACEB – Fale-nos um pouco mais sobre seus livros…
Flávio Márcio Sacramento – O primeiro livro, Trilhos da História do Brasil em Versos, publicado em 2013, faz um passeio, com 180 textos, pela História Colonial, Imperial e Republicana. Nele, são elencadas diversas temáticas que passam pelas abordagens políticas, econômicas, sociais, religiosas e culturais, numa síntese versada e rimada dos nossos saberes históricos. O segundo livro foi Soteropohistória : um pouco da história de Salvador em versos. Nele, seguimos com a linha da narrativa histórica versada e rimada, passando pelos eventos históricos da nossa primeira capital do Brasil, sobretudo buscando uma aproximação do público em geral com o nosso passado, que é riquíssimo, mas ainda pouco conhecido, estudado e reconhecido nas redes de ensino e entre os próprios soteropolitanos. Nesse livro sobre Salvador, componho versos (quadra) com 10 estrofes rimadas, com informações extras ao lado dos textos para enriquecer mais o conhecimento sobre o fato histórico abordado. Porém, o intuito maior é provocar o aluno a querer saber mais. Para isso escrevi esses versos, numa perspectiva de que meus livros sirvam como aperitivo para pesquisas ou discussões mais aprofundadas. Assim, eles seriam uma espécie de “ponto de partida”.
ACEB – Poderia compartilhar alguns dos seus versos conosco?
Flávio Márcio Sacramento –
1501
O capitão Gaspar
Na expedição exploratória
Avistou no mar
Uma Baía notória.
Era 1º de novembro
Dia de todos os santos
Dia do famoso membro
Ver um local de encantos.
Américo Vespúccio
O famoso da expedição
Deu o anúncio
Da Ponta do Padrão.
Chamada de Kirimurê
Pelos Tupinambás
Baía linda de se ver
Onde o sol brilhava mais.
A calmaria da Baía
Virou ponto lusitano
Onde se abastecia
Pra seguir navegando.
Tinha Ibirapitanga
O “pau vermelho”
Fazendo índio sem tanga
Trocar árvore por espelho.
Era o ponto de trocas
Escambo rolando solto
Com francês nas entocas
Querendo ocupar o posto.
Franceses com pau-brasil
Lusos pensando no Oriente
Quando Portugal descobriu
A Baía virou palco quente.
Todos queriam vim pra cá
Pra renovar a água potável
Pra descansar, trocar, brigar…
A Baía surgiu indispensável.
Porém na fase Pré-colonial
Salvador nem estava em gestação
Mas a sua história inicial
Tem na Barra sua concepção.
A CONJURAÇÃO BAIANA DE 1798
Animai-vos!
Povo baiense
Lutai-vos!
Contra o indecente.
Absolutismo
Despotismo
Exclusivismo
Colonialismo.
Português
Explorador
Descortês
Sem pudor.
Irmanai-vos!
Com ideais
Iluminai-vos!
Pelos desiguais.
Por Liberdade
Equidade
Fraternidade
Dignidade.
Com cativos
Libertos
Ativos
Até brancos discretos.
Muitos pardos
Alfaiates
Soldados
Aos combates.
Panfletando
A cidade
Republicando
A igualdade.
A abolição
Abertura dos portos
Mais pão
Menos impostos.
Mas D.Fernando
Assim não quis
E saiu destroçando
João, Manoel, Lucas e Luiz.
A REVOLTA DOS MALÊS (25-27/1/1835)
Negros islamizados
Sem nada a temer
Alfabetizados
Fazendo branco tremer.
Queriam fim da escravidão
Liberdade religiosa
Pra seguir o Alcorão
Sem a Igreja Católica.
No centro de Salvador
Mercês e Vitória.
Planejaram com louvor
A Noite da Glória.
25 seria o dia
De sair do mundo ruim
Da Festa de Nª. Srª. da Guia
Da polícia no Bomfim.
Fim do Ramadã
Início para o combate
Guiados por Pacífico Licutan
E Manuel Calafate.
Rumo a Ribeira
Com negros do Cabula
Atacar Salvador festeira
Num plano de bravura.
Mas Guilhermina
Avisou ao juiz Firmiano
Que alterou a sina
Pondo a polícia no plano.
Tiros na Ladeira da Praça
Cerco à casa de Calafate
Malês mostrando raça
Na madrugada do embate.
Negros aprisionados
Açoites e degredo
Malês fuzilados
Num clima de medo.
A revolta
Teve o sonho desfeito
Mas deixou amostra
A força do Salaam Aleikum.
A CEMITERADA (25/10/1836)
Francisco de Sousa Paraíso
Presidente Provincial
Teve um dia difícil
Com a nova lei do funeral.
Na ocasião
A lei em vigor
Queria todo caixão
Fora das igrejas de Salvador.
Medidas higienistas
Queriam evitar riscos
Das doenças oportunistas
Dos miasmas mefíticos.
A companhia privada
Fez o Campo Santo
Área monopolizada
Pra receber todo pranto.
As irmandades
Mostraram insatisfação
Reuniram autoridades
Convocaram a multidão.
No Centro da cidade
O tom era sério…
Viva a Irmandade!
Morra o cemitério!
O enterro na Igreja
Garantia a “salvação”
Ninguém queria surpresa
De ver de repente o Cão.
Foi tanto…
Que a multidão enfureceu
Quebrou o Campo Santo
Pra ficar perto de Deus.
Todos a protestar
Sem distinção social
Até o Visconde de Pirajá
Temeu seu fim infernal.
A Cemiterada
Mostrou uma coisa forte
Ter tudo não vale nada
Na hora que chega a morte.
A SABINADA (1837-1838)
Francisco Sabino Vieira
Médico e jornalista baiano
Criticava a regência inteira
Propondo o modelo republicano.
Pelo liberal Sabino
Surgiu a Sabinada
Da classe média tinindo
Da tropa baiana mal paga.
A tropa sem bons soldos
Não queria lutar na Farroupilha
O regente forçou a todos
Botar o sul na trilha.
Do Novo Diário da Bahia
A causa veio à tona
Clamando autonomia
Sem a regência mandona.
A tropa contra o regente
Apoiou à Bahia independente
Deixando Sabino contente
Em prol da República Baiense.
O apoio militar
Deu a República sua vez
Regime que só iria durar
Até Pedrinho virar rei.
Araújo chegou rente
Teve apoio de Cachoeira
A República Baiense
Ganhou dura barreira.
Salvador foi cercada
Cidade incendiada
A regência enraivada
Queimou a massa revoltada.
Três mil prisões
Quase dois mil mortos
Expulso com as ilusões
Sabino escapou dos fogos.
Condenado ao degredo
Foi pra Mato Grosso
Mas enfrentou sem medo
A regência que trazia desgosto.
Quem quiser entrar em contato com o professor Flávio Márcio para conhecer melhor o projeto pode fazê-lo através do e-mail flaviomarsa@bol.com.br.