Entrevista: Influências da estética e da cultura afro na formação da identidade nacional

Nascido na capital baiana, o artista plástico Yosh José é formado pela Escola de Belas Artes da UFBA e especialista em História e Cultura Afro-brasileira. Assinou diversos trabalhos para blocos afro do carnaval de Salvador, além de ser o responsável pela cenografia de importantes espetáculos e artistas baianos, inclusive com exposições e cenografia no exterior. Em 2007, criou uma grife chamada ‘By Yosh’. Inspirado na cultura, na fé e na ancestralidade, este artista visual contemporâneo desenvolve sua arte com base na busca pela afirmação da identidade do afrodescendente, diferenciando-se pela atualização das linguagens e temáticas tradicionais. Com um trabalho que transita entre a tradição e a modernidade, Yosh valoriza as influências da estética e da cultura afro na formação da identidade nacional. Sobre este assunto, ele conversou com a ACEB em uma entrevista exclusiva. Confira o resultado:

ACEB – O Brasil tem a maior população de origem africana fora da África e, por isso, a cultura desse continente exerce grande influência na cultura da nação, principalmente na região Nordeste do Brasil. Em sua opinião, qual a importância dessa influência e como ela se traduz na prática?

Yosh José – Realmente, a influência do continente africano no Brasil é enorme, principalmente no Nordeste, que foi a porta de entrada dos africanos que conseguiram sobreviver às péssimas condições dos navios ao serem trazidos para serem escravizados. Essa “africanidade” nos mostra de onde viemos e quem são os nossos antepassados, além de influenciar nosso jeito de ser e de viver, nossa língua, religiosidade e artesanato, passando pela arquitetura, pois este mesmo povo negro, ao construir nossas cidades, incorporaram sua marca nas pinturas de igrejas, por exemplo. Com o passar do tempo, as artes também sofreram influência dos negros que nasceram no Brasil e traziam a força do seu trabalho na ancestralidade. Um grande exemplo na Bahia são os blocos afro, com suas roupas estampadas, músicas e danças. A moda também incorporou essa influência, embora isso tenha sido negado por muito tempo. É impossível não notar!

ACEB – No início do século XIX, as manifestações e rituais africanos eram proibidos, pois não faziam parte do universo cultural europeu, sendo vistos como retrato de uma cultura atrasada. A partir do século XX, esses costumes começaram a ser aceitos e celebrados como expressões artísticas genuinamente nacionais, passando a fazer parte do calendário nacional. No século XXI em que nos encontramos, a visão do século retrasado conseguiu ser completamente superada ou ainda restam resquícios dela?

Yosh José – Ainda hoje vivemos essa valorização maior da cultura europeia em relação às culturas africanas e muitas outras. O valor atribuído ao que é produzido pelo branco europeu ainda é muito maior. Eles sabem disso e exploram esse ideal e todo este complexo. Lá pelo século XIX, a coisa era pior devido ao contexto, mas precisamos avançar muito, a começar pelo respeito ao outro, ao diferente.

ACEB – Em 2003, a lei nº 10.639 passou a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira. Na sua visão, essa nova legislação cumpre a missão de expandir o conhecimento da população sobre as influências da cultura afro na formação da identidade nacional?

Yosh José – Nesta época, eu estava em sala de aula. Logo depois que a lei nº 10.639 foi aprovada, achei que deveria fazer o curso de pós-graduação pela ACEB e entrei em uma das turmas oferecidas. Lembro-me até hoje de como aquilo foi importante e mobilizador. Eram várias turmas, sempre lotadas e repletas de profissionais sedentos por novos aprendizados para atender à nossa clientela, já que nós não tivemos o aprendizado na época em que éramos alunos no ensino médio. Então, esse curso foi fundamental para a formação desses professores lá atrás, os quais hoje, certamente, influenciam os jovens que estão nas universidades, no mercado de trabalho, atuando como cidadãos. Seria ideal se esta lei tivesse sido sancionada antes, para que mais pessoas pudessem ter esse aprendizado nas escolas, pois ele expande a visão sobre nossa identidade cultural. Contudo, insisto, ainda precisamos avançar muito. 

ACEB – O samba, a capoeira, a feijoada, o acarajé e as religiões afro brasileiras são algumas das expressões da influência africana traduzidas em nossa música, costumes, culinária e religiosidade. No campo das artes plásticas, como esta influência se manifesta nos mais diversos espaços? Cite exemplos.

Yosh José – Em Salvador, a influência das expressões das artes plásticas que vem da África é vista nas ruas, praças, prédios públicos e privados, pinturas e esculturas de artistas que se debruçaram sobre o tema. Artistas negros ou não assinam as peças por trazerem consigo esta expressão, muitas vezes desenvolvida através das religiões de matrizes africanas. Além disso, os blocos afro, com toda sua decoração e indumentárias, refletem muito bem a preocupação com a valorização e a afirmação de nossa identidade, o que se reflete também na moda e no nosso jeito próprio de se vestir.

ACEB – De que maneiras você utiliza sua produção artística para valorizar as influências da estética e da cultura afro na formação da nossa identidade cultural? Considera que a arte pode ser um instrumento de transformação nesse sentido?

Yosh José –  Para difundir a arte como formação de identidade, utilizo quadros, cenários, estampas, exposições, desfiles e campanhas da ‘By Yosh’ nas redes sociais. Meu objetivo é trazer para as pessoas esta estética afro-brasileira com beleza. Acredito, desde muito jovem, no poder transformador da arte, pela força que ela traz.

Crédito: Robert Malmstrom