Jogo digital melhora aprendizagem de leitura e escrita na infância

Um estudo com alunos de escolas de educação infantil mostrou que aulas com jogos digitais aumentaram 68% a aprendizagem em leitura e 48% em escrita em comparação com crianças que não fizeram as atividades. A tese de doutorado foi defendida em julho pelo pesquisador e empreendedor brasileiro Americo N. Amorim na universidade americana Johns Hopkins, uma das melhores instituições de ensino superior do mundo e uma das mais conceituadas em educação. Os jogos também permitiram prever o desempenho dos alunos em avaliações formais.

Maior experimento feito em escolas de educação infantil no Brasil, segundo Amorim, a pesquisa foi batizada de Jornada Internacional da Educação Infantil. Participaram 17 escolas particulares de cinco cidades de Pernambuco – Recife, Olinda, Paulista, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes -, sendo 62 turmas e 749 crianças. Os alunos foram divididos por sorteio. Metade integrou o grupo experimental e fez as atividades do estudo, além das aulas normais. A outra metade, o grupo de controle, fez apenas as atividades das escolas.

Amorim trabalha com tecnologia educacional desde os 15 anos. Abriu a primeira empresa, de educação musical, aos 16. Graduado em administração e com mestrado em sistemas de informação, desenvolve jogos e aplicativos desde 2010. Começou o doutorado em educação em 2014 e criou a Escribo, empresa de jogos para educação infantil.

O pesquisador revisou artigos científicos do mundo todo para investigar os problemas da alfabetização. Percebeu ser consenso que as dificuldades dos estudantes têm motivos sociais, contextuais, de cada país, e de sala de aula. Sobre as aulas, viu que três fatores levam ao sucesso: atividades de consciência fonológica desde a educação infantil, ferramentas de avaliação da aprendizagem e material didático de qualidade.

A partir disso, decidiu desenvolver um programa de estimulação das habilidades de consciência fonológica para crianças de 4 anos com o uso de jogos digitais. “Pesquisas de fora do Brasil mostram que a faixa ótima para desenvolver essas atividades é entre 3 e 5 anos”, explica.

Consciência fonológica, de acordo com Amorim, é um conceito que une uma série de habilidades relacionadas à capacidade de operar os sons da fala. “A rima é uma delas. Pergunto à criança quais palavras terminam com o mesmo som e falo as palavras ‘bola’, ‘caneta’ e ‘cola’. Se ela consegue identificar que ‘bola’ termina com o mesmo som de ‘cola’, significa que está desenvolvendo a consciência de rimas”, afirma.

Outra habilidade é a consciência de aliterações. “É a mesma coisa da rima, mas com a sílaba inicial. Digo: ‘bola’, ‘bacana’ e ‘boneca’. ‘Bola’ e ‘boneca’ começam com o mesmo som.” Há ainda a separação e junção de sílabas e de fonemas, os sons individuais das letras. “Estas habilidades foram identificadas nos últimos 30 anos como muito relacionadas à leitura e escrita. Crianças com essas habilidades geralmente escrevem e leem melhor do que aquelas que não conseguem desenvolvê-las.”

O programa incluiu a capacitação das professoras para dar as aulas e mediar o uso dos jogos digitais. As atividades tinham uma explicação para a sala, exercícios tradicionais e depois a prática com o jogo. Uma das aulas era de junção de partes de uma palavra, por exemplo. A educadora falava e escrevia na lousa. Depois, usava a tecnologia.

“Construímos 20 jogos, um para cada aula. Nesse caso, o jogo de síntese de sílabas, que junta as partes, é um jogo de basquete. A professora pegava um tablet e apresentava para os meninos. Mostrava como fazer aquela habilidade de juntar sílabas dentro do jogo. Jogava com o grupo, três ou quatro fases. Em seguida, distribuíamos os tablets.” As crianças trabalhavam em duplas. Ao final, ganhavam uma medalha virtual. Foram 14 encontros deste tipo, sendo cada aula de 45 minutos. Em cada dia, uma habilidade específica era trabalhada. No final, tiveram mais seis jogos de habilidades iniciais de leitura e escrita de palavras.

A evolução na aprendizagem foi comparada a partir de avaliações individuais feitas por psicólogas com as crianças antes e depois do estudo. “O que a gente fez, em termos de análise inicial, foi calcular a média do grupo experimental e do grupo de controle no mês de agosto para cada um dos indicadores. Depois, calcular a média de cada grupo para os mesmos indicadores em dezembro. Vimos que a evolução da média do grupo experimental em leitura foi 68% maior do que a evolução da média do grupo de controle. No de escrita, o grupo experimental ganhou 48% a mais do que o grupo de controle”, explica Amorim.

As professoras também avaliaram o processo. “Elas elogiaram muito a forma de trabalhar. Disseram que foi muito efetivo e que se sentiram, ao final dos 20 encontros, totalmente capacitadas para usar isso sozinhas no ano seguinte.” O pesquisador fez um acompanhamento das crianças no primeiro semestre de 2018 e fará outro em dezembro deste ano, para avaliar os efeitos das atividades e ver se mudam com o passar do tempo.

A pesquisa também mostrou que os jogos digitais são indicadores de aprendizagem confiáveis. Segundo Amorim, o número de pontos nos jogos permitiu prever o desempenho nas avaliações estruturadas. “Com os pontos que o menino tira no jogo, a gente é capaz de dizer quão bem ou qual mal vai se sair na diagnose de leitura e escrita.” Isso ajuda a escola a economizar neste tipo de avaliação individual, que custa caro.

A tecnologia já está em uso em cerca de 85 escolas municipais de Jaboatão dos Guararapes. “A cidade não é parte da pesquisa, mas comprou os jogos para integrar o material didático. A ideia é avançar no aperfeiçoamento dos jogos, na avaliação de como usá-los da forma mais produtiva e ampliar para outras regiões e outros tipos de escolas”, afirma.

O estudo teve orientação das doutoras Yolanda Abel e Lieny Jeon, da Johns Hopkins, e apoio financeiro da Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco), do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e da Escribo. A FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde) ajudou a montar a equipe de pesquisa, que fez a coleta de dados nas escolas.

A principal sugestão da banca de avaliadores, de acordo com Amorim, foi que as crianças sejam acompanhadas ao longo do tempo, para que se possa avaliar se a diferença de aprendizagem irá permanecer ou não. Outra sugestão foi a utilização na rede pública, que já ocorreu.

Segundo Amorim, uma parceria firmada em agosto com a Johns Hopkins e a NYU (New York University), vai permitir o aperfeiçoamento dos jogos, para que possam ser utilizados no aprendizado de espanhol e inglês. “Além de traduzidos, os jogos serão localizados culturalmente para as populações da América Latina, Estados Unidos e Coréia do Sul”, explica.

Outra parte do projeto será a criação, junto com a doutora Susan B. Neuman, da NYU, referência mundial no desenvolvimento do vocabulário, de jogos específicos para fortalecer o repertório de palavras das crianças. “Esta nova versão do programa será avaliada através de um estudo experimental, que irá incluir escolas brasileiras, norte-americanas e sul-coreanas”, diz Amorim.

Publicado originalmente no site Porvir