Maria José Rocha Lima
O que dizer sobre a desvalorização do professor, depois de quase duzentos anos de luta? Falar o quê, depois de treze anos de criação do piso salarial do professor e 63% dos municípios brasileiros e 60% dos baianos o descumprirem, sem que sofram qualquer punição? Como receber a noticia amarga de que os professores do Brasil recebem os piores salários entre 40 países avaliados pela OCDE? E o que dizer sobre um país rico, como o nosso, que paga apenas 14 mil dólares anuais aos seus professores, enquanto os professores alemães recebem 70 mil dólares anuais? Durante a produção da minha Tese de Doutorado, que aborda a implantação da Lei 11.738/2008, que criou o Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN – para os professores da educação básica, concluí que a única forma de potencializar simbolicamente a luta cansativa, para a quase inexplicável e enigmática desvalorização do professor, é tratá-la como uma alegoria, a Alegoria do Pau de Sebo – a inalcançável valorização do professor. O sobe e desce salarial, o vai não vai, o cai não cai. Vejamos a seguir. Em 1827, o Imperador Dom Pedro I outorgou a Lei das Escolas de Primeiras Letras, de 15 de outubro de 1827, estabelecendo no art. 3º a remuneração dos professores, um piso salarial nunca implantado. O seu sucessor, Dom Pedro II, chegou a afirmar que, “se não fosse imperador, desejaria ser professor” e que não conhecia “missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”. O último monarca do Império do Brasil reinou durante quase 50 anos e nada de concreto fez pela remuneração e pelo reconhecimento do professor. As belas e expressivas palavras pronunciadas e atos legislativos dos Imperadores do Brasil não tiveram as repercussões anunciadas na política de remuneração dos professores. Apesar da não implantação do piso do magistério, foi emblemático o ato de criação do piso, em 1827. Tudo isto compõe as provas mais eloquentes desse desencontro entre o discurso e a prática na história política de remuneração dos professores das escolas públicas brasileiras. Na década de 90, o governo acenou com o Pacto pela Valorização do Magistério, nunca cumprido; a criação do FUNDEB reacendeu as esperanças de um piso salarial. Finalmente, foi sancionada a Lei Nº 11.738, de 16 de Julho de 2008, que criou o PSPN, pelo então presidente Lula. E treze anos após a sua sanção 63% dos municípios brasileiros não a cumprem. Na Bahia, cerca de 60% dos municípios não cumprem a lei. E alguns representantes sindicais da Bahia, entrevistados na pesquisa sobre implantação do PSPN, propõem uma nova lei que torne o magistério uma carreira de estado, uma carreira nacional na esperança de uma valorização, no futuro. No trabalho acadêmico, senti um tremendo cansaço nos discursos, em geral, e no meu em particular, afinal são mais de quarenta anos de militância na educação. Em 1997, fazia mestrado e fui acometida por um sentimento de que era preciso ousar mais, para inovar e apostar na competência científica, real ou imaginária. Concluí que, na história da luta pela valorização no Brasil, tudo poderia se resumir à Alegoria do Pau de Sebo. A brincadeira consiste em subir num alto mastro de madeira com o objetivo de alcançar um prêmio colocado no topo. Para quem não conhece o pau-de-sebo, deve-se explicar que é uma manifestação tradicional, em especial da cultura nordestina. É classificada como uma forma popular de diversão, um jogo, e está presente em festas de cunho cívico, religioso ou profano. O Pau de Sebo consiste de um tronco de madeira com mais de 5 metros de comprimento – alguns chegam a ter 10 metros -, cuidadosamente preparado, sendo-lhe retirados todos os nódulos e imperfeições, alguns são lixados e, por fim, são recobertos com sebo de boi, para que fiquem escorregadios. Em seu topo colocam-se prendas ou mesmo um pequeno sino que deve ser tocado por quem lá chegar. Não é permitido utilizar instrumentos especiais para a escalada. O sujeito tem que ir mesmo só com a cara e a coragem e o segredo é subir mais do que se desce. A gravidade está contra você. Os atritos, especialmente baixos no início, também. Isto sem contar aquele sebo todo no qual você se lambuza. Embaixo do tronco, embora a multidão pareça torcer pelo seu sucesso, você acaba desistindo. E, no final, quase todos desistem de alcançar o topo, quase sempre inalcançável. Assim, tem sido a carreira do magistério brasileiro. Cada governante que chega propõe melhorias inalcançáveis.Ao enfatizar a situação aviltante dos professores brasileiros por meio da Alegoria do Pau de Sebo – A inalcançável Valorização do Professor, viso à inauguração de uma nova forma de abordar a questão, tirando o professor da condição de vítima, de inocente, trazendo para o contexto acadêmico uma nova tarefa: a de desmistificar, desconstruir preconceitos sobre o professor, para torná- lo, senão menos triste, menos vulnerável à enganação dos poderosos. Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 – 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise-ABEPP. Membro da Soroptimist International –SI Brasília Sudoeste.
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