Países avançados valorizam os professores

 Maria José Rocha Lima  Este foi um título, estampado em matéria da BBC de Londres, que recebi da minha irmã Sueli Rocha Lima de Canato, que reside em Portugal, com um bilhetinho assim: “Maria, quem sabe alguns desses exemplos servissem de inspiração ao Brasil”?Não hesitei em responder-lhe: “Nem pensar, minha irmã! Por aqui, defender a educação é, quase sempre, parecer uma pessoa preocupada com as criancinhas.

  Todo mundo é a favor, mas investir que é bom é coisa para os outros governos, ou para as calendas. Na minha tese de doutorado trato da não-aplicação do mísero piso salarial, dez anos depois da sanção da lei. Enfrentando objeções, recorri aos romanos que, ironicamente, falavam das ‘calendas gregas’, querendo referir-se a uma data que não existia. Adiar a solução de um problema para as calendas gregas é, portanto, deixar para o dia de ‘São Nunca’. Como Felipe Pondé, acredito que “quem diz que pagar bem ao professor não é a solução para a educação brasileira é um mentiroso”.

Professor é uma profissão razoavelmente remunerada em muitos países do mundo, principalmente aqueles que realizam boa educação.Nos mais de quarenta anos de militância na educação, só conheci dois renomados intelectuais brasileiros que defenderam remuneração decente para o professor, com desassombro: o sociólogo Florestan Fernandes e o filósofo Felipe Pondé. Florestan (1989) considerava “o aviltamento salarial do professor de primeiro grau o mais deletério de todos.” E concluiu que “poucos países reduzem o professor de primeiro grau a uma condição tão próxima da miséria relativa quanto o Brasil”. Para ele, “o mesmo sucede com o professor de segundo grau, exposto a uma condição de insegurança e baixa remuneração sem paralelos. Esses graus de ensino são pilares da educação escolarizada”. E l Pondé (2021) denuncia que “tratar a profissão do professor e a educação como um tema idealizado, como sacerdócio, é uma estratégia de manter o professor pobre e feliz”.O filósofo acentua que “é preciso ressaltar isto, porque no Brasil a condição de trabalho do professor acaba com a vida de qualquer pessoa. Os salários dos professores encontram-se entre os piores do mundo”. Pondé diz que “esse tratamento produz pessoas desestimuladas; pessoas que sofrem muito para trabalhar; pessoas que não têm muito horizonte. Se quiser resolver o problema da educação no Brasil com uma solução só, pague um piso salarial de 10 mil reais por mês. Só assim o professor passará a realizar uma educação de verdade”.

Perguntado sobre os porquês dos dez mil reais de salários para o professor, ele respondeu: “É que a função do professor exige importantes investimentos para fazer aquilo bem: uma remuneração que lhe assegure vida digna; possibilidade para estudar mais; dar menor número de aulas; a possibilidade de viajar e ter momentos de descanso e enriquecimento cultural”.  Sem grandes ilusões, não desprezemos as lições dos países que tratam bem seus professores, pagando-lhes salários altos, dando-lhes prestígio e apoio ao estudo: No Vietnã, um professor é perguntado nos primeiros dias de trabalho sobre as metas que deseja alcançar na carreira. Quer trabalhar na linha de frente com as crianças e adolescentes? Almeja cargo de gestão? Gosta de pesquisar e desenvolver técnicas e metodologias de ensino? A carreira é estruturada de acordo com essas preferências. No Japão, bônus salariais, a possibilidade de acelerar promoções e a ideia de desafio tornam atrativo dar aulas nas escolas mais pobres do país. Na Estônia, a forte evolução salarial nos últimos anos e a autonomia para aplicar métodos criativos fazem da carreira de professor uma das mais cobiçadas. Na Coreia do Sul, o alto status social dos professores combina estabilidade, bons salários e rigorosos requisitos de admissibilidade.

O que esses países têm em comum? A contratação de professores é seletiva, a profissão é valorizada, a carreira é estimulante, o que atrai bons profissionais. Para ter bons professores, é preciso atrair as pessoas mais talentosas para a profissão, oferecendo uma carreira desafiadora, além de boas condições de trabalho, diz Andreas Schleicher. Em entrevista à BBC News Brasil, o idealizador do Pisa e diretor da área de educação da OCDE definiu: “A qualidade da educação de um país nunca será maior que a qualidade dos seus professores”. Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Preside a Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e dirigente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise – ABEPP. Membro da Soroptimist International Brasília Sudoeste.

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