O Enem e a pandemia: um fracasso anunciado

Maria José Rocha Lima*
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informou que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 teve pouco mais de 3,1 milhões de inscritos, após o fim do prazo de pagamento da taxa de inscrição de R$ 85. O número de estudantes pretos, pardos, indígenas e amarelos inscritos no Enem 2021 caiu mais de 50%, diz levantamento.
O resultado preocupa e revela um cenário devastador para a educação brasileira, uma geração perdida, mas não surpreende. A pandemia no Brasil afetou drasticamente os calendários escolares, de modo que, enquanto a média mundial de paralisação das aulas foi de cinco meses e meio, por aqui permanecemos sem atividades presenciais por quase dois anos.
O diretor de estatísticas do INEP/MEC, Carlos Moreno, comparou o número de dias letivos suspensos no Brasil com outros países: na França, foram 43 dias; na Espanha, 75. E temos os países que tiveram mais dias de suspensão das aulas: Argentina e Chile, 200 dias; Índia, 235; Brasil, 288 dias na rede pública e 249 na particular. 
O percentual de escolas brasileiras que não retornaram às atividades presenciais no ano letivo de 2020 foi de 90,1%, sendo que, na rede federal, esse percentual foi de 98,4%, seguido pelas escolas municipais (97,5%), estaduais (85,9%) e privadas (70,9%). Diante desse contexto, mais de 98% das escolas do País adotaram estratégias não presenciais de ensino. Isto, certamente, teve impactos muito importantes na queda das inscrições no Enem.
Em 2019, pouco mais de 5 milhões de pessoas se inscreveram no Enem. Em 2020, 5.783.483. Em 2021, os inscritos foram 3.109.762. Em relação a 2019, isto representa uma queda de 46% do número de inscritos, na edição do Enem 2021. São 2 milhões e 700 mil alunos estudantes a menos em relação a 2019, segundo dados do SEMESP/INEP[1].
Entre as causas da queda nas inscrições do Enem, são evidentes o número de escolas públicas que não tiveram condições de ofertar o ensino remoto e a falta de internet banda larga em 20% das escolas estaduais de ensino médio. Em 2019, a PNAD/IBGE revelou mais uma dificuldade intransponível aos estudos da população de baixa renda: 17% dos domicílios brasileiros não têm acesso à internet, representando cerca 28 milhões de moradores, ou seja, 13% da população Nos domicílios nos quais tem internet, 95% têm apenas o telefone móvel. Isso determina menores índices de aprendizagem, gerando maior insegurança entre os alunos das classes populares, que apresentam historicamente menores desempenhos no Enem, salvo raras exceções.
Os inscritos no Enem 2021, quanto ao aspecto raça/cor, é revelador do impacto da pandemia no aumento da desigualdade social.  Entre 2020 e 2021, constata-se que entre os que se declaram de raça branca houve uma queda de 718 mil, representando 35, 8%; entre os que se declaram pardos a queda foi de 1 milhão e 400 mil, isto representa uma queda 51,7%; entre os que se declaram pretos a queda foi de 53,1 no Enem, em relação a 2020. Já entre os que se autodeclaram indígenas foram 20 mil inscrições a menos, representando uma queda de 54,8%. E entre os que se autodeclaram amarelos foram 66 mil a menos, representando uma queda de 51,4 %, de acordo com o SEMESP/INEP.
A não isenção da taxa de inscrição para os que faltaram em 2020 foi o tiro de misericórdia desferido  pelo MEC contra os  alunos mais vulneráveis!
Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. Presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Psicanalista e dirigente da ABEPP. Membro da Organização Internacional Clube Soroptimista Internacional Brasília Sudoeste.

Publicado originalmente por: O Enem e a pandemia: um fracasso anunciado – Planalto em Pauta