Perguntei, há muitos anos, a um querido mestre de nossa história qual o valor que poderíamos dar ao 13 de Maio de 1888, e ele, de bate pronto: “perguntemos ao ex-escravizado que não tomou mais nenhuma chibatada a partir daquele dia”. Anos depois, conversando com o não menos mestre Hélio Santos, ele me fez uma reflexão inesquecível sobre o “day after”, o dia 14 de maio. Disse-me: “De fato, já não tomávamos chibatadas; por outro lado, a letra de lei da princesa não nos garantia nada mais além disso. O próprio Estado brasileiro incumbiu-se de decretar leis que cuidadosamente excluía o povo negro de qualquer possibilidade de cidadania. Sem escola, sem trabalho, sem dignidade, ganhamos liberdade para até morrermos de fome”. Começaram a nascer ali, dentro de mim, os versos do reggae 14 de Maio, que eu daria ao irmão Lazzo Matumbi para musicar: “No dia 14 de maio, eu saí por aí/ não tinha trabalho nem casa, sem ter aonde ir/ levando a senzala na alma, subi a favela/ pensando em um dia descer, mas eu nunca desci…”
14 de maio de 2016. Anunciado o ministério do interino Temer, viu-se o recado mandado ao país: somente homens de pele clara, demófobos e ricos. Sem negro, sem mulher e sem gay. Desmonte geral da experiência inclusiva e plural dos anos Lula-Dilma. O Brasil gritou em coro: não pode! Misóginos. Não tem uma mulher no ministério! Correm para Daniela, Marília, Cláudia. Ninguém aceita. Algumas vozes devidamente abafadas gritaram pelos gays; outras, mais abafadas ainda, perguntaram pelos negros. E olhem que negros de mandato e alguma visibilidade apoiaram escancaradamente o golpe midiático-jurídico-parlamentar. Sabiam de nada, inocentes!
“Só machos brancos sempre no comando”, no verso de Caetano. E a “raiz da liberdade?”. E a “alegria da cidade?”. Completamente fora da moldura dessa galera medonha e triste. O que temos a fazer é tirar esse retrato, correndo, da nossa parede. É feio que dói.
Artigo publicado no Jornal A Tarde no dia 13 de maio de 2020.
Autor: Jorge Portugal, poeta, educador e secretário estadual de cultura
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