Água em garrafa contém microplásticos, diz estudo

Água em garrafa contém microplásticos, diz estudo

O termômetro ultrapassa a marca dos 30°C na praia de Copacabana. Marcio Silva, 51, vendedor com quilômetros de experiência no calçadão, vende o alívio em forma de água gelada em garrafas.

“Eu bebo água porque água é vida, água é saúde”, diz. “Eu não venderia se não fosse boa para as pessoas.”

Uma nova pesquisa da Orb Media (https://orbmedia.org/stories/plus-plastic), organização jornalística sem fins lucrativos sediada em Washington, porém, mostra que uma única garrafa de água pode conter dezenas ou até milhares de partículas microscópicas de plástico.

Testes em mais de 250 garrafas de 11 marcas líderes de mercado, incluindo a Minalba, no Brasil, revelaram contaminação por plásticos variados inclusive polipropileno, náilon e tereftalato de polietileno (PET).

Quando questionados, representantes de duas marcas populares confirmaram que seus produtos contêm microplástico, mas que o estudo da Orb exagera significativamente a quantidade.

A Universidade Estadual de Nova York conduziu os testes que revelaram uma média de 10,4 partículas na faixa dos 100 mícrons (ou 0,10 mm, a largura de um fio de cabelo) por litro. Essas partículas foram confirmadas como sendo matéria plástica usando um microscópio infravermelho de padrão industrial.

Os testes mostraram também uma quantidade muito mais alta de partículas ainda menores em tamanho e com boa probabilidade de constituir matéria plástica. A média global para essas partículas foi de 314,6 por litro.

As amostras vieram de 19 locais, em nove países de cinco continentes. Algumas garrafas tinham teor zero de plástico. Uma garrafa acusou mais de 10 mil partículas por litro. Havia presença de plástico em 93% das amostras.

“Isso é chocante”, relatou à Orb o diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Erik Solheim. “Alguém, por favor, me aponte um ser humano no planeta inteiro que queira beber água com plástico.”

A produção de água engarrafada atinge cerca de 300 bilhões de litros por ano. Avaliado em US$ 147 bilhões por ano, o mercado de água em garrafas é o que cresce mais rápido no mundo no setor de bebidas.

POLUIÇÃO
A poluição por plástico vem preocupando cientistas e governos de vários países. Estudos recentes revelaram a presença de microplástico —partículas medindo menos de 5 milímetros— nos oceanos, no solo, no ar, em lagos e em rios. Agora parece surgir a última fronteira do plástico, que é o corpo humano.

Em 2017, uma pesquisa da Orb Media revelou a presença de fibras microscópicas de plástico em várias amostras de água canalizada no mundo. O estudo é um exemplo iluminador do íntimo contato entre o ser humano e o plástico hoje em dia, segundo Martin Wagner, toxicólogo da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia.

É bem provável que o microplástico esteja presente nos tecidos do nosso corpo, diz Jane Muncke, diretora-gerente do Fórum de Embalagem de Alimentos, organização de pesquisa de Zurique. O que isso significa para a saúde humana não se sabe ainda.

“Com base em nossos conhecimentos atuais, que são muito fragmentários e incompletos, o nível de perigo para a saúde é baixo”, explica Wagner. “O corpo humano é bem adaptado para lidar com partículas não digestíveis.”

É provável que o intestino humano consiga excretar até 90% do microplástico que é consumido, segundo um relatório de 2016 da União Europeia sobre a presença de plásticos em frutos do mar.

Quanto aos outros 10%, uma pequena porcentagem das partículas com menos de 150 mícrons (0,15 milímetros) poderia entrar no sistema linfático do intestino ou chegar nos rins ou no fígado pela corrente sanguínea, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. O estudo da Orb revelou partículas que se enquadram nessa faixa.

Mas as hipóteses sobre o que acontece com o plástico dentro do intestino vêm de modelos científicos, explica Jane Munche. “Nós nem conhecemos toda a química dos plásticos”, diz. “As incógnitas são muitas nesta área.”

RESPOSTA
Os fabricantes de água em garrafa disseram que seus produtos atendem todos os requisitos governamentais.

A empresa alemã Gerolsnteiner disse que seus testes revelaram uma quantidade significativamente menor de micropartículas por litro do que a vista no estudo da Orb.

A Nestlé testou seis garrafas provenientes de três locais diferentes depois de uma consulta feita pela Orb Media. Os testes, revelou Frederic de Bruyne, chefe de qualidade da Nestlé, mostraram entre zero e cinco partículas de plástico por litro.

Nenhuma das outras empresas engarrafadoras concordou em disponibilizar os resultados de seus testes de contaminação plástica.

“Nossa posição continua igual quanto à segurança dos nossos produtos de água em garrafas”, pronunciou a Associação Americana de Bebidas em um comunicado.

A Minalba afirmou que o processo de extração e envase da água da fonte mineral Água Santa, em Campos do Jordão (SP), segue todos os padrões de qualidade e segurança exigidos pela legislação brasileira, refletindo, com rigor, a manutenção das propriedades minerais vindas da natureza.

Anca Paduraru, porta-voz da Comissão Europeia para segurança alimentar, afirmou que não há regulamentação direta sobre microplástico em água engarrafada, mas que a legislação deixa claro que não pode haver presença de contaminantes. Os EUA não têm regras específicas para teor de microplástico em alimentos e bebidas.

O estudo foi supervisionado pela professora Sherri Mason, renomada pesquisadora de microplásticos da Universidade Estadual de Nova York, em Fredonia. Mason também coordenou o estudo de 2017 da Orb sobre água encanada.

Para testar a água engarrafada, Mason e sua equipe primeiro impregnaram cada garrafa com um corante chamado Nile Red. Vistas sob o microscópio e com a ajuda de óculos protetores de cor laranja, as partículas tingidas com o corante mostram um fulgor de braseiro em cada filtro.

Mason ainda detectou partículas maiores, de cerca de 100 mícrons (0,10 milímetros), usando a espectroscopia Fourier-Transform, que lança uma luz infravermelha dentro do objeto para descobrir sua assinatura molecular.

O polipropileno usado em tampinhas de garrafa foi responsável por 54% dessas partículas maiores. O náilon ficou com 16% e o PET usado nas garrafas constituiu 6%. A maior parte das amostras chegou em garrafas plásticas, mas a água em garrafas de vidro também acusou a presença de microplástico.

Frederic De Bruyne, da Nestlé, disse que os testes de Mason não incluíram um passo que envolve a remoção de substâncias biológicas da amostra. Portanto, diz ele, algumas partículas fluorescentes poderiam ser falsos positivos —substâncias naturais que o Nile Red também teria tingido. Ele não especificou que substâncias seriam essas.

Mason observou que o chamado “passo da digestão” é usado para amostras repletas de resíduos de oceanos, e não era necessário para água em garrafas. “Eles não podem estar sugerindo que uma água pura, filtrada, pristina, possa conter madeira, algas ou quitina [casca de camarão]?”, diz.

Os estudos de água encanada e água engarrafada da Orb utilizaram métodos diferentes. Mesmo assim, a comparação é possível.

No caso de partículas de microplástico de aproximadamente 100 mícrons, as amostras de água em garrafa revelaram quase o dobro de partículas por litro (10,4) quando comparadas com a água encanada (4,45).

Então o que é melhor, água de garrafa ou água da torneira?

“Se a água da sua torneira for de alta qualidade, ela será sempre melhor”, disse Scott Belcher, professor de toxicologia da Universidade Estadual da Carolina do Norte. “Mas se a sua água potável for contaminada e insegura, sua única opção pode ser a garrafa.”

Fonte: Bocão News