Edmilson Blohem *
Muito se fala sobre a crise fiscal porque passa a União e os estados federados, mas pouco se vê na grande mídia, uma discussão aprofundada sobre suas verdadeiras causas. Da reforma trabalhista à reforma da previdência cada um defende convenientemente sua tese, escamoteando, muitas vezes, suas verdadeiras intensões.
Por último, mirou-se nos “privilégios” dos servidores públicos, que na propaganda do governo federal “trabalham pouco, ganham muito e se aposentam cedo com proventos altíssimos”. Mais uma distração em pleno ano eleitoral, para fazer com que os menos esclarecidos venham a aderir e até exigir que as “reformas” sejam feitas de forma distorcida e direcionadas àqueles, que já não podem mais pagar por não ter de onde tirar: os assalariados, os aposentados, os servidores públicos e a classe média.
Em 2015, o déficit primário nas contas do governo federal foi da ordem de R$ 115 bilhões. Em 2016 o rombo previsto foi de R$ 161 bilhões e em 2017 foi de 124 bilhões – sendo inclusive, comemorado por alguns, já que o rombo previsto para 2017 era de R$ 159 bilhões.
A culpa recaiu novamente nos ombros dos servidores públicos e dos aposentados e pensionistas, que geralmente pagam sua previdência, no mínimo, durante 30 ou 35 anos para só então fazerem jus ao benefício. Mas por que insiste-se em afirmar que as reformas não miram no verdadeiro problema do déficit público? Porque ninguem vê na grande mídia reportagens ou matérias afirmando que a causa do rombo é o volume de juros e amortizações transferidas todos os anos às Instituições Financeiras. Ou quem sabe, devêssemos discutir o volume da dívida ativa da União (e dos Estados) que não é cobrada, ou mesmo, dos Benefícios Fiscais ou Renúncias tributárias – tecnicamente nominados de Gastos Tributários – concedidas, em regra, a uma parcela específica de contribuintes ou a um determinado setor da economia.
A Receita Federal define como gastos tributários os gastos indiretos do governo, realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e destaca tratar-se de exceção, uma vez que reduz o volume de arrecadação potencial do orçamento e o transfere para órbita econômico-financeira do contribuinte. Podendo, ainda, ter o caráter compensatório, quando o governo visa suprir um serviço inadequadamente ofertado a população (PROUNI), ou incentivador, quando o governo busca desenvolver determinado setor da economia ou uma determinada região.
No tocante aos Gastos Tributários o que se vê, na realidade, é o financiamento de grandes empreendimentos – portanto de quem tem poder econômico – por meio de subsídios, benefícios e incentivos fiscais e desonerações tributárias. Traduzindo e quase desenhando, retira-se do orçamento público parcela considerável de recursos que deveriam destinar-se ao financiamento direto de políticas públicas sociais (educação, saúde, assistência social) para socorrer os empresários. E o que é pior: sem o controle democrático da sociedade sobre sua concessão e sobre seu efetivo retorno, já que as contrapartidas, muitas vezes, carecem de um controle regular e eficiente – quando existem.
Para se ter uma ideia da importância desse tema, basta observar os valores envolvidos nessas renúncias. Em 2015, 282 bilhões; 2016, 271 bilhões; 2017, 285 bilhões; e o previsto para 2018, 283 bilhões. Só nos 04 anos citados algo em torno de 1,12 trilhões foram destinados ao setor privado em forma de Renúncias Tributárias – que deveriam engordar o orçamento da União – em prejuízo das pessoas mais pobres, dos assalariados e dos aposentados e pensionistas.
O estado da Bahia também tem mantido uma regularidade quanto às Renúncias Tributárias e de 2015 à 2020 está previsto abrir mão de algo em torno de R$ 19,35 bilhões, entre renúncia financeira, crédito presumido e redução de base de cálculo – conforme consta dos Demonstrativos da Estimativa de Compensação da Renúncia de Receita dos anos 2015-2018, das respectivas Leis Orçamentárias Anuais.
E já que não existe almoço “grátis”, pode-se responder ao questionamento posto, que quem paga a conta dos Benefícios Fiscais concedidos aos setores econômicos agraciados, são os mais pobres, os assalariados, os aposentados e pensionistas e os servidores públicos. Estes que tem os salários corroídos, quando não recebem nem a reposição da inflação, garantida pela Constituição. É, na verdade, uma transferência de recursos daqueles que menos tem – patrimônio e renda – para aqueles que mais possuem. Numa irrefutável inversão de valores e de finalidade do dever-ser do orçamento público e do sistema tributário de uma nação. É a perversão da Justiça Fiscal como instrumento capaz de reduzir a pobreza e mitigar as desigualdades sociais.
*Edmilson Blohem é diretor Assuntos Tributários do Sindsefaz
Fonte: Sindsefaz