A escola com maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do município de Camaçari, na região metropolitana de Salvador (RMS), não possui biblioteca, nem computadores. Apesar disso, localizada dentro do terreiro de Lembá e com integração irrestrita, a Zumbi dos Palmares é uma extensão natural da vida comunitária no entorno da Estrada das Cascalheiras. Mais que isso: ela se estrutura nos pilares do respeito, cooperação e disciplina, para superar as dificuldades, promover integração religiosa e a formação cidadã.
O porteiro que abre a porta da escola à reportagem segue a doutrina espírita. No corpo docente, formado por quatro professores, há católicos e protestantes. E dos 150 alunos, de 4 a 12 anos, divididos nos turnos matutino e vespertino, cerca de 78% são provenientes de famílias evangélicas. A escola e o terreiro funcionam de forma independente. As crianças não entram pelo portão principal do templo religioso, mas por outra que dá acesso direto à escola.
Com nota 6,6 da instituição no Ideb, a escola está acima da média do município, que é de 4,8. No quesito religioso, é um contraponto aos 153 casos de intolerância religiosa notificados na Bahia, entre 2013 e 2018, segundo o centro de referência Nelson Mandela.
Sucesso da escola
As relações de proximidade que permeiam os moradores da comunidade local contribuem para o sucesso da escola. A necessidade de um local que distancie as crianças da violência e problemas de alcoolismo das famílias do entorno é outro ponto relevante nessa convergência multirreligiosa. Além disso, outro ponto a favor é a estruturação rural da comunidade, afastada do centro de Camaçari e que viu a chegada de postes de iluminação e asfalto há poucos anos.
A escola surgiu há dez anos como desdobramento de um caso de descontentamento do tata Ricardo Tavares ao presenciar um pedreiro que não sabia escrever o próprio nome. Depois disso, ele começou a alfabetizar outros moradores da comunidade e promover oficinas. Em 2009, para a construção da Escola Zumbi dos Palmares, nome que possui relação direta com a ideia de resgate identitário da população negra, ele reservou mil metros quadrados do terreiro de Lembá, que possui área total de seis mil metros quadrados.
O local sagrado foi fundado há 26 anos e tombado como patrimônio cultural de Camaçari em 2016. A incorporação da escola à administração jurídica de Camaçari foi em 2010. “É importante deixar claro que a nossa escola é laica. Os alunos não têm contato com os ritos religiosos do candomblé, nem com o barracão. São áreas separadas. Nós seguimos a grade curricular do Ministério da Educação. O nosso objetivo não é inclinar as crianças para determinada religião, mas estabelecer relações sociais de respeito e contribuir para a sustentabilidade. Aqui, somos uma família. Não me interessa a religião dos funcionários ou dos alunos. Conheço toda a comunidade e há muito respeito”, diz.
Com o terceiro filho matriculado na Escola Zumbi dos Palmares, Patrícia Conceição, 37 anos, destaca a boa relação que mantém com tata Ricardo. Evangélica, ela lembra que, após matricular o filho Daniel Conceição, 9 anos, na instituição, identificou melhoras no comportamento dele, o que, segundo ela, não aconteceu em outras escolas. “Ele era nervoso, difícil de controlar. Mas aqui [na escola] ele foi muito acolhido. Nunca tivemos problemas de enviar nossos filhos para cá. Embora eu seja evangélica, sempre tivemos uma ótima relação. Aqui, eles educam para que as crianças sejam bem-sucedidas”, afirma Patrícia.
O ambiente tranquilo, as árvores que compõem a escola, a grama, os locais de plantio, tudo isso harmoniza o conceito de relações de respeito ao próximo e ao meio ambiente que os alunos aplicam. Nas paredes, algumas frases fazem questão de lembrar que estão todos “de mãos dadas por uma educação transformadora” ou que “a inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com a igualdade”.
Para a estudante Jadiara de Jesus, 7 anos, a escola significa um lugar de encontro. “É muito bom. Gosto muito da escola. Aqui, podemos aprender e fazer várias coisas”, diz a garota.
Tata lembra que há outras escolas com essa proposta de templo religioso como local de ensino regular. No entanto, é a intimidade dos moradores ao buscar o filho na escola e a alegria com que falam com o tata que tornam o espaço tão particular. “Trabalho aqui há dois anos. Quando avisei na minha igreja (evangélica) que eu iria trabalhar dentro de um terreiro de candomblé houve resistência, mas depois eles me auxiliaram dizendo que era para eu continuar e, se tivesse alguma imposição de fé, era para eu sair. Hoje, posso dizer que não há nenhum tipo de imposição e esse é o lugar mais acolhedor por onde eu já passei”, afirma a auxiliar educadora Edelmira Valverde, 41.
Matéria assinada por Henrique Almeida, sob a supervisão de Hilcélia Falcão
Publicada originalmente no site A Tarde online